tag:blogger.com,1999:blog-66191231767077399442024-02-18T18:09:30.614-08:00Boletim AfrocariocaErnesto Theodoro de Morais Juniorhttp://www.blogger.com/profile/11833005161328970968noreply@blogger.comBlogger69125tag:blogger.com,1999:blog-6619123176707739944.post-66744548270001507162017-03-03T08:08:00.000-08:002017-03-03T08:08:01.174-08:00MAIS UM<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjjpI1eoMDpyjLDt1RsJvMcFu9iw7FSnCKQ5FULWO_CbFd3Vd9OxIhu5hm-AK_OdlgR7juKY9R0-PPxX20Sh7tOvnnwBYJV_EYpthkhQAzulNgstMkNuXJ5VyYqXF3Cp7j0o2xF7ZQXfi98/s1600/boy+football.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="215" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjjpI1eoMDpyjLDt1RsJvMcFu9iw7FSnCKQ5FULWO_CbFd3Vd9OxIhu5hm-AK_OdlgR7juKY9R0-PPxX20Sh7tOvnnwBYJV_EYpthkhQAzulNgstMkNuXJ5VyYqXF3Cp7j0o2xF7ZQXfi98/s320/boy+football.jpg" width="320" /></a></div>
<div style="background-color: white; color: #1d2129; font-family: Helvetica, Arial, sans-serif; font-size: 14px; margin-bottom: 6px;">
<br /></div>
<div style="background-color: white; color: #1d2129; font-family: Helvetica, Arial, sans-serif; font-size: 14px; margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
Eu tinha onze anos quando passei uma tarde inteira jogando futebol com um amigo no clube onde meu pai era vice-presidente e o avô dele diretor. Éramos duas crianças negras suadas e felizes. A tarde já caía quando passamos na frente de um dos salões onde acabara de acontecer uma festa de aniversário. Algumas pessoas guardavam o que havia sobrado. Foi quando uma mulher nos viu e pediu que esperássemos. Ela trouxe uma caixa cheia de doces e salgados e com uma cara de pena, piedade, sei lá, nos disse:</div>
<div style="background-color: white; color: #1d2129; font-family: Helvetica, Arial, sans-serif; font-size: 14px; margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
- Isso aqui é pra vocês dividirem com seus amiguinhos na rua.</div>
<div style="background-color: white; color: #1d2129; font-family: Helvetica, Arial, sans-serif; font-size: 14px; margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
Sim, ela achou que éramos meninos de rua pedindo comida. Fez uma boa ação e partiu com seu coração confortado por ter colaborado para a acabar com a fome de alguns pobres garotos.<br />Nesta mesma época acordei em um sábado com o corpo cheio de pintas vermelhas. Minha mãe, preocupada, me levou à emergência de um hospital perto de nossa casa. O médico mal me olhou e diagnosticou:</div>
<div style="background-color: white; color: #1d2129; font-family: Helvetica, Arial, sans-serif; font-size: 14px; margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
- É sarna.</div>
<div style="background-color: white; color: #1d2129; font-family: Helvetica, Arial, sans-serif; font-size: 14px; margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
Passou um sabonete especial para que eu pudesse tomar banho.<br />Não melhorei. Seguia com as pintas e coceira. Foi então que ela resolveu me levar a uma médica de sua confiança na segunda-feira. Diagnóstico:</div>
<div style="background-color: white; color: #1d2129; font-family: Helvetica, Arial, sans-serif; font-size: 14px; margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
- Alergia a determinados tipos de corantes.</div>
<div style="background-color: white; color: #1d2129; font-family: Helvetica, Arial, sans-serif; font-size: 14px; margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
Eu tinha bebido muita Fanta Uva, só isso. Eu não vivia em condições insalubres, sem higiene, saneamento básico, etc. Mas o médico de pronto assim pensou.</div>
<div style="background-color: white; color: #1d2129; font-family: Helvetica, Arial, sans-serif; font-size: 14px; margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
Dez anos se passaram e eu estava prestes a me formar em Jornalismo. Estudei em uma universidade particular. Era o único aluno de toda a faculdade com bolsa de Iniciação Científica paga pelo Estado. Participei de uma pesquisa por 3 anos. Minha monografia tratou sobre o mesmo tema. Ela era, naturalmente, maior e mais elaborada que as demais, já que eu estava debruçado sobre ela há mais tempo que os outros alunos.</div>
<div style="background-color: white; color: #1d2129; font-family: Helvetica, Arial, sans-serif; font-size: 14px; margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
Normal.</div>
<div style="background-color: white; color: #1d2129; font-family: Helvetica, Arial, sans-serif; font-size: 14px; margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
No dia da apresentação para a banca, uma professora veio até mim e me chamou no canto para conversar:</div>
<div style="background-color: white; color: #1d2129; font-family: Helvetica, Arial, sans-serif; font-size: 14px; margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
- Ernesto, levantaram uma suspeita sobre o seu trabalho. Tudo que está ali foi você que escreveu?<br />- Sim, professora. Por que? A senhora me conhece.<br />- Desconfiam que você tenha plagiado ou comprado.<br />- Nunca. Jamais.</div>
<div style="background-color: white; color: #1d2129; font-family: Helvetica, Arial, sans-serif; font-size: 14px; margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
Após a apresentação o professor que levantou a suspeita pediu desculpas e me parabenizou pelo trabalho. Tirei 10. Mas ainda estava puto com aquilo.</div>
<div style="background-color: white; color: #1d2129; font-family: Helvetica, Arial, sans-serif; font-size: 14px; margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
Eu não vivi em locais de vulnerabilidade social. Estive em espaços privilegiados, onde na grande maioria das vezes eu era o único(ou um dos poucos) negros presentes. Eu tive a oportunidade de estudar, ter plano de saúde, lazer, boa alimentação, estrutura familiar. Tive tudo, entendem? Mesmo assim, em todos os momentos não deixei de ser um homem negro brasileiro, o que significa carregar o estereótipo nas costas, o olhar de desconfiança alheio, a descrença da sociedade, o ódio até, a pena em alguns casos, o desprezo.</div>
<div style="background-color: white; color: #1d2129; font-family: Helvetica, Arial, sans-serif; font-size: 14px; margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
João Vítor, de 13 anos, foi morto com um soco, quando pedia comida na porta do Habib’s, em São Paulo. João Vítor era preto e pobre. Franzino.</div>
<div style="background-color: white; color: #1d2129; font-family: Helvetica, Arial, sans-serif; font-size: 14px; margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
Que ameaça trazia para um segurança muito maior do que ele?<br />Não foi só a agressão que matou João Vítor. Foi o estereótipo, a desconfiança, a descrença, o ódio, o desprezo. O racismo, compreende?</div>
<div style="background-color: white; color: #1d2129; font-family: Helvetica, Arial, sans-serif; font-size: 14px; margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
Ele é mais um a morrer apenas por ser preto e pobre.</div>
<div style="background-color: white; color: #1d2129; font-family: Helvetica, Arial, sans-serif; font-size: 14px; margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
Mais uma família mutilada.</div>
<div style="background-color: white; color: #1d2129; font-family: Helvetica, Arial, sans-serif; font-size: 14px; margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
Mais um para a estatística que poucos dão atenção.</div>
<div style="background-color: white; color: #1d2129; display: inline; font-family: Helvetica, Arial, sans-serif; font-size: 14px; margin-top: 6px;">
Para morrer, basta nascer preto</div>
Ernesto Theodoro de Morais Juniorhttp://www.blogger.com/profile/11833005161328970968noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6619123176707739944.post-1343959056209443742017-03-02T11:59:00.000-08:002017-03-02T11:59:15.284-08:00EMERSON E MAYKON<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiYViud4or8EZd8ax2LacNQntDKEKtxkZ7fhcF_FHVzjrEC6Hh0sOAi3ptyjTsmVW2JWhK9DSt7uKbyHrcxqFIRNctGkBXwi9QOTgeHdDDav0evJBN3_5FOxboOsVBUsW66SSUd6UCGm47Y/s1600/BokehNight0137_1_M.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="213" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiYViud4or8EZd8ax2LacNQntDKEKtxkZ7fhcF_FHVzjrEC6Hh0sOAi3ptyjTsmVW2JWhK9DSt7uKbyHrcxqFIRNctGkBXwi9QOTgeHdDDav0evJBN3_5FOxboOsVBUsW66SSUd6UCGm47Y/s320/BokehNight0137_1_M.jpg" width="320" /></a></div>
<br /><div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Tenho mania de conversa. Esse gosto “estranho” de entender
um pouco mais o outro, na busca de entender a si próprio. Se me dão uma brecha,
lá vou eu. Claro que entendo o limite da inconveniência, da chatice, da
intromissão. Deixo fluir. Se rolar, rolou.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Foi dessa forma que conheci Emerson e Maykon em uma segunda-feira
de carnaval carioca. Dois brasileiros bem pobres, com realidades bem próximas,
com histórias que poderiam se cruzar. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
De um lado, um pai. Do outro, um filho.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
O pai Emerson, caminhava com um isopor quase vazio nas ruas
da Lapa. Nos ofereceu algo para beber. Não queríamos nada naquele momento, mas
ele nos falou seu bordão com as promoções e começamos a gritar igual, como se
também estivéssemos vendendo. Oferecíamos a quem passasse e assim fomos fazendo
companhia um ao outro em direção à Praça da Cruz Vermelha. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Emerson mora em Paracambi. Para chegar à Central do Brasil
às 7 horas da manhã, tem que pegar o trem às 3h. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Está desempregado.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Deveu a pensão a pensão da filha por 3 meses. Está separado
há 2 anos. Sofreu por ver a filha pedir dinheiro e não ter 10 centavos no
bolso.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Passou 3 dias na Lapa durante o carnaval, dormindo sob os
arcos, para vender o máximo que pudesse. Comprava no depósito de bebidas ali
perto e revendia nas ruas movimentadas do bairro boêmio. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Viu outro vendedor, que também viveu na rua esses dias,
levar uma facada numa tentativa de assalto enquanto dormia. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Emerson voltava com o rosto cansado, mas feliz por saber que
pagaria a pensão da filha. Disse ter contado com a compreensão da ex-mulher,
que assim como tantas mulheres neste país, guardam a responsabilidade pela
criação e sustento dos filhos, muitas vezes sem qualquer participação paterna.
Emerson não queria troféu algum. Sabia que era o mínimo a fazer. Iria
diretamente para a casa delas para entregar todo o dinheiro que conseguiu
naqueles dias. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Algumas horas depois, encontrei Maykon. Aparentava seus 16,
17 anos. Estava com os pais no Largo da Carioca. Não sei de onde vieram. Mas
dormiram bem ali no berço da cidade do Rio também por 3 dias também. Vendiam
cachorro quente. O dinheiro aliviaria a pobreza. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Maykon estava extenuado. Não queria mais dormir na rua.
Aquela seria a última noite, disse ele. Voltariam para casa. Teriam algum descanso,
talvez. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Ali estavam dois exemplos dentro de outros milhões de
invisíveis. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Invisíveis pobres, sem instrução, sem oportunidades,
desempregados e famintos. Ainda assim esperançosos de um dia melhor. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Não há como romantizar suas histórias. Eles são a realidade.
São aquilo que não buscamos entender, ouvir, perceber. Vivem de sobreviver. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
O carnaval deles é outro. <o:p></o:p></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
Ernesto Theodoro de Morais Juniorhttp://www.blogger.com/profile/11833005161328970968noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6619123176707739944.post-48900231803969367622016-01-08T06:56:00.000-08:002016-01-08T06:56:17.488-08:00O QUE PASSOU<br />
<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj2DTkdNd0P-h0avdc8sOJCcBjxyOn468X454LyXikgBSuoiljiHFoYUw1cydzDINOQtxMpz1JbT_Tvzg2S5E3TaG2ZQ3n4ACMOlIPG2cYA6KAriUub_MJtgTawbSlC5lkjiPyutF1Dq2aT/s1600/mureta.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="265" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj2DTkdNd0P-h0avdc8sOJCcBjxyOn468X454LyXikgBSuoiljiHFoYUw1cydzDINOQtxMpz1JbT_Tvzg2S5E3TaG2ZQ3n4ACMOlIPG2cYA6KAriUub_MJtgTawbSlC5lkjiPyutF1Dq2aT/s400/mureta.jpg" width="400" /></a></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Abriu a mala em frente
à cama e desistiu de colocar as roupas no armário. Ao menos por alguns
instantes. Queria esvaziar a mente, se isso fosse possível. Deitou na cama com
as pernas para fora do colchão e tirou os sapatos sem usar as mãos. Olhava para
o teto, mas não era ali que estavam seus pensamentos. Respirou profundamente
por duas vezes. Era como limpar os pulmões. O relógio marcava 17h. Bem ali, ao
alcance da janela do hotel, estava a bela vista de uma praia carioca. Ali
dentro, o clima gelado do ar condicionado. Do lado de fora, o calor do início
de verão em final de tarde.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Era difícil para ele
explicar como tinha chegado até ali. Trinta anos, uma profissão do qual não se
orgulhava tanto, algumas crises emocionais ocasionais, um namoro que caminhava
trôpego, contato precário com o pai e a preocupação com a saúde frágil da mãe,
nenhum filho, a mesma cidade de sempre, alguns poucos e bons amigos e uma
vontade inexplicável de se jogar do oitavo andar. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Pôs uma bermuda e
desceu. No elevador evitou as conversas sobre o clima e temperatura com outro
hóspede. O assunto tinha a capacidade de irritá-lo com facilidade. Odiava
conversas sem desejo. Queria ouvir e ser ouvido de verdade. Palavras e
pensamentos eram sagrados para ele.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Ficou sentado na areia
por um tempo com o olhar perdido. Não era nostalgia, nem angústia, nem
tristeza. Era o inexplicável. Por vezes tinha vontade de largar tudo e ir para
o mato. Em outras, pensava em fazer outra faculdade, abrir um negócio ou
escrever um livro. A inquietação crônica da geração Y. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
- Boa tarde.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Ele despertou do sono
de olhos abertos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
- Oi. Com licença. Vou
dar um mergulho. Você pode olhar minha bolsa, por favor? – E saiu sem ouvir a
resposta.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Ele apenas observou a
ida dela. Assentiu com a cabeça e só. Gostou do sotaque. “Merrrgulho”,
“dixculpa”. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
- Obrigada, viu?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Nada. Fica à
vontade.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Não é daqui, né?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Curitiba.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Ah tá. Tenho uma
amiga lá. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Sentiu vergonha do
corpo magro e desbotado. Sol apenas nas férias.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Ela colocou a canga ao
lado dele e desandou a falar. Ele fez o exercício da escuta. Tinha pouco a
dizer. Ela era mais solta.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
- Vai fazer alguma
coisa hoje?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Nada programado.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Tá hospedado aqui
perto?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Hotel Carioca.
Conhece?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Sei onde é. Tem um
barzinho perto. Te encontro 21h, pode ser?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Ele nem saberia negar.
Nunca tinha visto uma mulher tão decidida. Pensou na namorada. Não era intenção
trair. Estavam flertando? Queria saber o que ela pensaria, mas sabia que não
teria coragem de contar. Preferiu a omissão, não sabia se por culpa, defesa ou
desejo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Ana Maria era o nome
dela. Ele só saberia quando já estavam sentados naquela mesa de bar tipicamente
carioca. Ela tinha terminado o namoro de 3 anos havia apenas uma semana. Para
ela, na verdade, a relação já tinha terminado 4 meses antes, quando o ex-namorado
a chamou pelo nome de outra mulher quando faziam sexo. Ele tentou se desculpar,
dizer que estava com problemas no trabalho, mas a partir dali ela sentiu que
não fazia mais sentido. Não quis se aprofundar no que vinha acontecendo na vida
dele, pois sabia que encontraria o que não queria. Preferiu deixar a relação
terminar por si. Doeria, mas deixaria a sensação de que foi vivida até a última
gota, até quando não tivesse mais a menor vontade de voltar, ligar, saber da
vida ou enviar um cartão de “boas festas”. Contou parte dessa história para seu
novo amigo, mas preferiu guardar para si as partes mais íntimas, aquelas que
apenas ela entendia. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
O que a levou a iniciar
uma conversa com Renato na praia? Não sabia. Deu vontade. Foi lá e fez. Durante
três anos quase não conversou com pessoas do sexo oposto, pois isso aguçava o
ciúme do namorado. Foi se isolando. Sentia que aquilo era como uma
retomada. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Para ele seriam 4 dias
longe de casa. Pouco mais de 800 km de distância da rotina.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
- Vim participar do processo
seletivo de uma empresa.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- E dura 4 dias?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Na verdade, dois,
mas resolvi me dar mais uns dias de folga.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
-Mas tem a
possibilidade de ser desqualificado antes, não?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
-Obrigado pelo apoio.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Mas não tem?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Eu ficaria de
qualquer forma. Tô precisando de férias.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- De quê? Você não tá
desempregado?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Da vida.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Tem como? Me ensina?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Se despediram quando o
garçom já jogava um balde com água e sabão no chão do bar. Eram duas e meia da
manhã, estavam bêbados, porém firmes. Ele tinha que estar no prédio da
construtora às 10h. Bateu na cama e acordou com a boca seca e os raios de sol
invadindo o quarto pela fresta da cortina. Ainda faltavam duas horas até a entrevista
que teria na empresa. Passou o dia entre dinâmicas de grupo e testes técnicos.
Falou com a namorada no intervalo para o almoço. Pediu desculpas por não ter
enviado mensagem antes de dormir. Não contou sobre a noite de cervejas e
conversas com Ana Maria.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
À noite, ela o levou
para uma roda de samba que iria com os amigos. Apresentou Renato a eles. Ele estava
um pouco sem graça no começo, mas sorriu sempre que necessário. Desajeitado,
mas inexplicavelmente confiante, conversou com gente que nunca tinha visto, diferente
da frieza dos seus conterrâneos. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Dançaram um samba ou
dois juntos. Riram. Era como se aquilo acontecesse todas as semanas. Era uma
fuga de si, sem precisar fugir. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Queriam se ver mais.
Já era natural marcar a próxima saída. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
-Por que não na minha
casa amanhã? É sua despedida.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Tinha que me lembrar
isso?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- A gente bebe pra esquecer.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Subiu dois andares
daquele prédio antigo em Botafogo. A porta já estava aberta.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
- Pode entrar. Tô na
cozinha. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Ele sentiu um cheiro
bom vindo de lá. Seguiu. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Eu não costumo
receber muita gente aqui em casa. Principalmente alguém que não conheço. Mas
sinta-se à vontade.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- A gente se conhece.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Você é que pensa.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Pensava mesmo, mas
pelo visto...<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Sentiu-se intimidado.
Tinham sido horas e horas de conversa nos dias anteriores. “Como assim não se
conheciam?” Era difícil para um homem entender que para elas, conhecer era
muito mais profundo do que trocar algumas palavras e histórias em meio a
cervejas e risadas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Enviou mensagem para a
namorada dizendo que já estava indo dormir. Já passava de meia-noite e nada
além de conversas e um bom vinho. Mas ele preferia não contar. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Quem ele era destoava
de quem ele queria ser. Tentava expor a imagem do que projetava, mas em alguns
momentos soava falso, frouxo. Tinha sido treinado para esconder suas fraquezas.
Tornar-se adulto não tinha sido uma opção. O abandono do pai quando ele tinha
apenas 12 anos fez com que sua visão da vida fosse diferente dos amigos. Ele já
pensava em como sustentar uma casa, ajudar a mãe em tudo, a não dar mais
trabalho a ela além do que já era inevitável. Talvez por isso tenha sentido que
parte da sua adolescência tenha sido jogada fora. Por mais que a mãe tentasse
tirar de suas costas as responsabilidades que atribuía a si, ele não conseguia
se desvencilhar. Eram apenas ele e ela, pensava. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
- Muito doido isso.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Isso o que? –
perguntou Ana Maria.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Nós dois aqui. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Dois insones que se
encontraram para dividir um pouco a solidão. O que tem de anormal nisso?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Pensando assim,
nada. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- É bom saber que não
precisa de sexo para ter uma boa relação com um homem. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Ele sabia que era
verdade. Não precisou falar. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
O celular começou a
tocar. Era a namorada. Hesitou por um tempo. Atendeu pela insistência. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Ana Maria observou a
transformação do rosto dele. Ele permanecia em silêncio. A boca levemente
aberta. Os olhos perdidos e perto de soltar a primeira lágrima. Disse apenas
“Tá. Vou dar um jeito. To indo já.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
- Minha...<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Mãe?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- É. Tá mal no CTI.
Não se sabe se sobrevive mais um dia. – E chorou.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Parecia sonhar, mas
apenas fechou os olhos por alguns segundos. Se viu ajoelhado e com os cotovelos
apoiados no colchão. Renato, aos 11 anos, rezava da forma que tinha aprendido e
acreditava, pois sabia que algo não ia bem. Sua casa não era a mesma. Mesmo que
disfarçassem, os pais não conseguiam esconder o fim. Havia uma energia
diferente no ar, que ele não sabia explicar. Só queria que sua vida voltasse a
ser como antes. Mas como era? Era diferente. Mas como? <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Era um escravo das
lembranças.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Deram um abraço tão
íntimo quanto nunca tinham sentido. Era um encontro necessário, sentiam. Era
uma despedida necessária, sabiam. Distantes seriam amigos, talvez. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
A mãe morreu três dias
depois. O namoro dele acabou três meses depois.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Ele não conseguiu o
emprego. Descobriu que seria mais feliz (e foi) abrindo um sebo de livros e
vinis.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Ana Maria e Renato
trocaram poucas palavras por whatsapp depois disso. Nada mais.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
O que foram, sem
qualquer definição humana, ficou cristalizado no tempo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div>
<br /></div>
<div>
<br /></div>
<div>
<br /></div>
Ernesto Xavier<br />
<br />
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
Ernesto Theodoro de Morais Juniorhttp://www.blogger.com/profile/11833005161328970968noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-6619123176707739944.post-78352446378417886732015-12-22T10:25:00.000-08:002015-12-22T10:29:10.124-08:00CONFRATERNIZAÇÃO<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhpmyomfDqGnwgp4E3Zw6Zv-cALEZPCWFqB4weNNQfwDAG64fiYhWKRw2naXB1P-J15BIzAgC_Vo2iTPCd7zfGIYdS9mwgeYmSWl-7Ka4siMSDljWTJCJ7ElqU6N92qWz872M-Qlfd17U2B/s1600/coffee+break.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="221" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhpmyomfDqGnwgp4E3Zw6Zv-cALEZPCWFqB4weNNQfwDAG64fiYhWKRw2naXB1P-J15BIzAgC_Vo2iTPCd7zfGIYdS9mwgeYmSWl-7Ka4siMSDljWTJCJ7ElqU6N92qWz872M-Qlfd17U2B/s320/coffee+break.jpg" width="320" /></a></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Fim de
ano e os funcionários resolviam se encontrar para a tradicional
confraternização. Não era nada muito elaborado. Normalmente Arnaldo, o cara do
almoxarifado e sambista de plantão, indicava um bar na cidade onde ele e seu
grupo de samba-de-raiz iriam tocar e lá se fazia a reunião. Passavam o ano
trocando apenas formalidades de trabalho. Afinidades existiam aqui e ali, mas
nada que justificasse um convite para ser padrinho do filho que vai nascer,
férias conjuntas em uma praia no nordeste ou para ser fiador no aluguel do
apartamento novo. Eram todos colegas de trabalho e ponto. Em meio a intimidade
forçada que se estabelecia nesses encontros eles até que se divertiam. Enquanto
Arnaldo se esforçava no tantam, Maurício era o animador. Aquele cara que conta
piadas, imita o chefe, que é claro, não está presente e puxa a primeira pessoa
para dançar, criando uma pista de dança no meio do bar. Vanessa, a servente que
faz o melhor café do Rio de Janeiro na opinião de Vera do arquivo, fumante
desde os 15 anos e frequentadora assídua do café do corredor, é a
responsável por organizar o amigo-oculto: faz os papéis com os nomes e a lista
de presentes desejados. Régis e Carlos Alberto da informática não eram muito
animados, mas sempre compareciam. Os nerds do trabalho eram bebuns convictos.
Sabiam toda a história da cerveja, com que comida combinavam cada tipo e se
orgulhavam de contar cada detalhe. Sobre os outros não se tinha muito o que
falar. Estagiários(e principalmente estagiárias) cheios de juventude, que destoavam
do resto, se divertiam em seu mundinho particular, mas que no fim das contas
animavam o clima. Tinham os tímidos, as recatas que depois de duas doses de
caipirinha já se soltavam e cantavam cada refrão do Arlindo Cruz
´Madureiraaaaaaaa, lalaiá...´. <o:p></o:p></span><br />
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Tudo
corria normal como sempre. Assim como nos anos anteriores, Camila do jurídico
não estava. Fora casada por 7 anos com um executivo bem sucedido e ciumento.
Não era de falar muito. Reservada por opção e convicção. Não sabíamos, mas a
recém-separada descobrira o romance de 2 anos do ex-marido com o cunhado. Sim,
cunhadO. Não sabia explicar se perder o marido para outro homem era melhor do
que para uma piriguete mais nova, o que seria mais fácil de esperar. <o:p></o:p></span><br />
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Ao entrar
no salão naquela noite fez-se um pequeno silêncio, que talvez não tenha sido
percebido por todos, mas que invadiu o espaço, que mesmo entre bêbados,
conversas animadas e batuques, fez presente como em filmes do velho oeste
americano quando o bandido adentrava a porta do bar. O que ela estava fazendo
ali? <o:p></o:p></span><br />
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Vera, a
do arquivo, tratou logo de ir até ela oferecer um lugar a seu lado na mesa,
como se aquela presença fosse a mais comum do recinto.<o:p></o:p></span><br />
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Era a
mesma Camila de todos os dias, ao passo que era outra. De cabelos soltos, uma
roupa que marcava as curvas até então desconhecidas de seu corpo, de lentes de
contato, ao contrário do habitual óculos, maquiagem e um sorriso que podia
animar qualquer velório. <o:p></o:p></span><br />
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Acompanhei
sua trajetória em câmera lenta até a mesa. Eu estava no balcão do bar pegando
um chopp e meio que sem pensar pedi mais um para o barman. Voltei para a mesa
com os dois chopps na mão. <o:p></o:p></span><br />
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">O que eu
estava fazendo? Nunca tinha trocado mais do que frases feitas com ela. Era o
macho alfa que despertava tardiamente dentro de mim? <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">-Que bom
você aqui, aceita?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">-Obrigado!
Verdade, né? Nunca apareci...resolvi mudar isso.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">-Nunca é
tarde. Seja bem-vinda! Um brinde?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">-Claro! À quê?<o:p></o:p></span><br />
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Pensei em
fazer a brincadeira infame da maldição dos 7 anos de abstinência para os que
não brindam, mas achei exagerado para o momento.<o:p></o:p></span><br />
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">-Aos
novos laços! Que eles sejam ainda mais fortes no próximo ano!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">-A vida
nova! - disse ela em tom de libertação de mulher reprimida.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">O papo se
estendeu pela noite adentro. Muitos chopps se passaram, Vera, a do arquivo, se
sentiu isolada por este casal que agora conversava com entusiasmo e foi ter com
Vanessa, sua companheira do café. Era estranho como alguém tão interessante
estava próxima a mim todos os dias, porém escondida em seu véu de
invisibilidade. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Duas da
manhã, os garçons já guardavam as cadeiras, indicando que deveríamos sair. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">-Vamos
tomar uma saideira aqui perto? - disse ela.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">-Será que
tem algum lugar aberto ainda?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">-Na rua
aqui do lado tem um bar que só fecha quando o último cliente pede a conta.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">-Como
você sabe disso?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">-Nem me pergunte.<o:p></o:p></span><br />
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Estávamos
bêbados em um estágio avançado, daquele em que falamos tocando um no outro,
sempre com os rostos próximos e os olhos de ressaca que dariam inveja a Capitu.
Tomamos a saideira. <o:p></o:p></span><br />
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">-Vim de
táxi e você?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">-Também.
Mora aonde?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">-Tijuca.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">-Andaraí.
Quer rachar um táxi? É caminho...<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Dentro do
carro, em um movimento natural, começamos a nos beijar. O taxista provavelmente
desfrutava de uma vista privilegiada, onde parecíamos dois adolescentes
afoitos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">-Tijuca.
- disse o motorista.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">- Deu
quanto? <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">- 25
reais.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">-Deixa
que eu pago.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Saquei a
carteira, paguei a corrida e saltei do carro junto com ela. O Andaraí ficaria
para outra hora.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">- Quer
subir?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">- Quero.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">- Eu to
um pouco enferrujada pra essas coisas. Nem lembro quando foi que outro homem
entrou na minha casa.<o:p></o:p></span><br />
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Respeitamos
o elevador que tinha câmeras e entramos no apartamento já tirando a roupa. A
madrugada se transformou em manhã e jazimos exaustos sobre a cama em gozo. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Meio-dia
e acordei com a luz que invadia a janela do quarto. Ela não estava. A boca seca
e a cabeça latejando me lembravam de cada chopp da noite anterior. Isso não me
importava muito dentro daquelas circunstâncias. E ela? Estaria na cozinha
preparando um café-da-manhã na cama? Levantei, saí do quarto e a procurei na
cozinha. Incrível como os apartamentos antigos da Tijuca são enormes. Nem sinal
dela em qualquer canto da casa. Na cozinha um papel branco sobre a mesa de
madeira:<o:p></o:p></span><br />
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<br />
"Não sei bem como chegamos até aqui... Bebi demais, saí de mim.
Para evitar algum constrangimento, fui à rua fazer compras e para te dar tempo
de sair sem despedidas.</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Peço
desculpas se fiz algo de errado. Seja lá o que for, foi um engano.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Ass.
Camila<span style="background: white;">"</span><o:p></o:p></span><br />
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><span style="background: white;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Na
segunda-feira lá estava ela de coque, óculos, saia comportada e blusa fechada.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">No café
veio até mim e percebendo que estávamos a sós, perguntou:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">-
Aconteceu alguma coisa?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">- Não,
você só deu abrigo a um pobre bêbado.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Terminamos
o café em silêncio. Cada um foi para a sua baia e nunca mais se tocou no
assunto.<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
Ernesto Theodoro de Morais Juniorhttp://www.blogger.com/profile/11833005161328970968noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-6619123176707739944.post-20274871442500186062015-11-05T10:27:00.000-08:002015-11-05T10:27:02.565-08:00DESAJUSTADO<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh8-EViguTllLzsAs5Yy_8uixAGBZC7gFwskzMJYW9hyphenhyphendT1uFuZX-ryLe_hJ7XGrD9xkSd5rMg5x_2uNQV05nty1NL7aZy6ELJlU5UeYgRw_KDlE6tRmBR-Notwbghs1e_zGFrSuVrWPjGP/s1600/black+and+flowers.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="213" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh8-EViguTllLzsAs5Yy_8uixAGBZC7gFwskzMJYW9hyphenhyphendT1uFuZX-ryLe_hJ7XGrD9xkSd5rMg5x_2uNQV05nty1NL7aZy6ELJlU5UeYgRw_KDlE6tRmBR-Notwbghs1e_zGFrSuVrWPjGP/s320/black+and+flowers.JPG" width="320" /></a></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Você passa a infância ouvindo que
seu cabelo é feio,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Não vê ninguém parecido nos lugares
de destaque,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Quando vê, é bandido,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Ou jogador de futebol, mas você não
joga bola,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Ou pagodeiro, mas não sabe sambar.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Não é escolhido rei do baile da escola.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Ganha prêmio de simpatia. Sabe que
é consolação. Você se esforçou para ser engraçado e simpático para ter espaço e
chamar atenção.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Você briga com o próprio cabelo.
Alisa, corta curto.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Você ressalta seus traços mais
“finos” para se aproximar da paquita (sempre) loira, do herói do filme, do
apresentador de tv, do presidente, galã de comercial de margarina, de todas as
referências que te apresentaram como boas. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Depois disso tudo, cresce e diz a
todos que tem orgulho de ser quem é.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
A chave vira, pois algo dentro de
você não encaixa.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Se aceitar é mais do que um ato de
coragem, é uma postura política.<o:p></o:p></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
Ernesto Theodoro de Morais Juniorhttp://www.blogger.com/profile/11833005161328970968noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6619123176707739944.post-33308350971478910362015-11-05T09:04:00.000-08:002015-11-05T09:04:39.519-08:00127 ANOS<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgVh7d3cJOGAwXKkbvfH7KqQOtKW_K0wDpi-TZ0vSd-Lus3YeE_Qe7IZu99c6zD140JWVjQi5M-Od-D2MmdkKplyDjaFrBl3Od2WBTbZKRJNiTBt1JRDR4IQfz4zupSsdUOWaewN38o0YBK/s1600/Xavier.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgVh7d3cJOGAwXKkbvfH7KqQOtKW_K0wDpi-TZ0vSd-Lus3YeE_Qe7IZu99c6zD140JWVjQi5M-Od-D2MmdkKplyDjaFrBl3Od2WBTbZKRJNiTBt1JRDR4IQfz4zupSsdUOWaewN38o0YBK/s320/Xavier.jpg" width="213" /></a></div>
<span style="background-color: white; color: #141823; font-family: helvetica, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 17.5636px;"><br /></span>
<span style="background-color: white; color: #141823; font-family: helvetica, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 17.5636px;"><br /></span>
<span style="background-color: white; color: #141823; font-family: helvetica, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 17.5636px;"><br /></span>
<span style="background-color: white; color: #141823; font-family: helvetica, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 17.5636px;">As grades das senzalas foram abertas há 127 anos. Os senhores de engenho ainda consideram que estamos lá dentro e nos tratam como se tudo fosse igual. </span><br />
<br style="background-color: white; color: #141823; font-family: helvetica, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 17.5636px;" /><span style="background-color: white; color: #141823; font-family: helvetica, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 17.5636px;">Sou filho dos sobreviventes que atravessaram o Atlântico até aqui em porões fétidos. Sou filho de quem apanhou, de quem teve que fugir para não morrer. Sou filho de quem foi jogado à própria sorte após quatro séculos de servidão, na miséria, analfabetos, sem teto, sem terra. Somos sobreviventes porque não há o que possa nos ma</span><span class="text_exposed_show" style="background-color: white; color: #141823; display: inline; font-family: helvetica, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 17.5636px;">tar. Mesmo na morte carnal permanecemos vivos por aí, pairando em cada canto para lembrar-lhes que o negro é a origem, a luz e a força que gerou isso que hoje chamamos de ser humano. </span><br />
<span class="text_exposed_show" style="background-color: white; color: #141823; display: inline; font-family: helvetica, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 17.5636px;"><br />Fomos trazidos para o país de mentalidade mais atrasada no mundo. Último local a por fim ao regime escravocrata. Último. Apenas 127 anos se passaram. O Brasil é racista pois não admite que acabou.<br />Os insultos à Taís Araújo são os mesmos de todos os dias e ainda me causam revolta. O que atingiu Taís, atinge João, Sebastião, Maria, Priscila, Dandara, Francisca, Marcelo, todos negros. Taís Araújo é a representação de que precisamos permanecer firmes nesta luta. Agradeço e admiro a coragem dela em levantar a bandeira e não esmorecer. </span><br />
<span class="text_exposed_show" style="background-color: white; color: #141823; display: inline; font-family: helvetica, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 17.5636px;"><br />Quem se cala dá voz aos racistas. </span><br />
<span class="text_exposed_show" style="background-color: white; color: #141823; display: inline; font-family: helvetica, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 17.5636px;"><br />A senzala não é minha casa, você queira ou não. Não foi e nunca será.</span>Ernesto Theodoro de Morais Juniorhttp://www.blogger.com/profile/11833005161328970968noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6619123176707739944.post-84733090561789135442015-11-05T09:00:00.000-08:002015-11-05T09:00:46.865-08:00JOUT JOUT<span style="background-color: white; color: #141823; font-family: helvetica, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 17.5636px;"><br /></span>
<span style="background-color: white; color: #141823; font-family: helvetica, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 17.5636px;"><br /></span>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjx9sXkDvQuKrgvTchA01cjcf8PrPWukTeNwOQ1o7LLM9WYiF3nQx6EFIPO-1rt9b_lVeKOXUEcNgiWsewjIx6A9rS_gCTB4-DBV-JtZmccDfExpnlEgnvOni6UBdmk4BmorBFGwxCMrOUm/s1600/Jout+Jout.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="178" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjx9sXkDvQuKrgvTchA01cjcf8PrPWukTeNwOQ1o7LLM9WYiF3nQx6EFIPO-1rt9b_lVeKOXUEcNgiWsewjIx6A9rS_gCTB4-DBV-JtZmccDfExpnlEgnvOni6UBdmk4BmorBFGwxCMrOUm/s320/Jout+Jout.jpg" width="320" /></a></div>
<span style="background-color: white; color: #141823; font-family: helvetica, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 17.5636px;"><br /></span>
<span style="background-color: white; color: #141823; font-family: helvetica, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 17.5636px;"><br /></span>
<span style="background-color: white; color: #141823; font-family: helvetica, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 17.5636px;">Caros representantes do "Orgulho de ser hétero", vocês não me representam, ok?</span><br style="background-color: white; color: #141823; font-family: helvetica, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 17.5636px;" /><span style="background-color: white; color: #141823; font-family: helvetica, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 17.5636px;">A tentativa ridícula de retirar páginas feministas do ar é uma atitude covarde. Covarde como o assédio que vocês fazem diariamente a mulheres e meninas todos os dias. Covarde como se esconder na tela do notebook para difamar e ameaçar. Covarde como seus representantes políticos, que se valem da maioria masculina na Câmara para aprovar pautas contra direitos adquiridos das mulheres. </span><br style="background-color: white; color: #141823; font-family: helvetica, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 17.5636px;" /><span style="background-color: white; color: #141823; font-family: helvetica, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 17.5636px;">Para você que se acha tão poderoso por ter nascido com um órgão genital masculino entre as pernas e por isso crê ser superior, apenas uma informação:</span><br style="background-color: white; color: #141823; font-family: helvetica, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 17.5636px;" /><span style="background-color: white; color: #141823; font-family: helvetica, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 17.5636px;">Você NÃO é homem. Nem ser humano posso considerar. </span><br style="background-color: white; color: #141823; font-family: helvetica, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 17.5636px;" /><span style="background-color: white; color: #141823; font-family: helvetica, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 17.5636px;">O que é seu está guardado.</span>Ernesto Theodoro de Morais Juniorhttp://www.blogger.com/profile/11833005161328970968noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6619123176707739944.post-70203012756629558182015-11-05T08:56:00.000-08:002015-11-05T08:56:33.623-08:00JUSTIÇA PRA QUEM?<span style="background-color: white; color: #141823; font-family: helvetica, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 17.5636px;"><br /></span>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhiTmmykhODuAllapsT_0JOoI7R2dVDQ3eFSRr1iAwcbn2JgSxPWkVVw9eQg7Tjex-TIp8BM-UKxSHKYH3HqS5Z0U8-BcyQQVYUtxrSaRKada-B4FgnD6m3Ysa8CLMnsQqNG1o6vsrZLml4/s1600/PLACA.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhiTmmykhODuAllapsT_0JOoI7R2dVDQ3eFSRr1iAwcbn2JgSxPWkVVw9eQg7Tjex-TIp8BM-UKxSHKYH3HqS5Z0U8-BcyQQVYUtxrSaRKada-B4FgnD6m3Ysa8CLMnsQqNG1o6vsrZLml4/s320/PLACA.jpg" width="256" /></a></div>
<span style="background-color: white; color: #141823; font-family: helvetica, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 17.5636px;"><br /></span>
<span style="background-color: white; color: #141823; font-family: helvetica, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 17.5636px;"><br /></span>
<span style="background-color: white; color: #141823; font-family: helvetica, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 17.5636px;">Um menino de 10 anos morreu no Complexo do Alemão.</span><br />
<br style="background-color: white; color: #141823; font-family: helvetica, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 17.5636px;" /><span style="background-color: white; color: #141823; font-family: helvetica, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 17.5636px;">O atirador, um policial, estava perto da vítima.</span><br />
<br style="background-color: white; color: #141823; font-family: helvetica, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 17.5636px;" /><span style="background-color: white; color: #141823; font-family: helvetica, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 17.5636px;">A criança estava de costas.</span><br />
<br style="background-color: white; color: #141823; font-family: helvetica, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 17.5636px;" /><span style="background-color: white; color: #141823; font-family: helvetica, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 17.5636px;">Os envolvidos foram inocentados. Legítima defesa, dizem.</span><br />
<br style="background-color: white; color: #141823; font-family: helvetica, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 17.5636px;" /><span style="background-color: white; color: #141823; font-family: helvetica, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 17.5636px;">Esta é a resposta da justiça. Justiça para quem?</span><br />
<span class="text_exposed_show" style="background-color: white; color: #141823; display: inline; font-family: helvetica, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 17.5636px;"><br />A família chora.</span><br />
<span class="text_exposed_show" style="background-color: white; color: #141823; display: inline; font-family: helvetica, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 17.5636px;"><br />Eduardo não vai chorar mais.</span>Ernesto Theodoro de Morais Juniorhttp://www.blogger.com/profile/11833005161328970968noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6619123176707739944.post-15721468854169162592015-10-26T11:55:00.000-07:002015-10-26T11:57:41.779-07:00MULHER ANTENADA<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiNh03TXqa54D-IdZZZ8jIjPSsen20oWllXy_YThE9O6h3ailFiNGvyOvebd7s0IhF8wRrh35kYUWGe5_v4st8sepFykA09Wop06LPA-BgIcyuFBypLQUpAInmxCGygKMO3ccxlo8k16qNm/s1600/fire.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="213" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiNh03TXqa54D-IdZZZ8jIjPSsen20oWllXy_YThE9O6h3ailFiNGvyOvebd7s0IhF8wRrh35kYUWGe5_v4st8sepFykA09Wop06LPA-BgIcyuFBypLQUpAInmxCGygKMO3ccxlo8k16qNm/s320/fire.jpg" width="320" /></a></div>
<span style="background: white; font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: Calibri; mso-fareast-language: EN-US; mso-fareast-theme-font: minor-latin;"><br /></span>
<span style="background: white; font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: Calibri; mso-fareast-language: EN-US; mso-fareast-theme-font: minor-latin;"><br /></span><br />
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm;">
<span style="font-size: 13.5pt;">Maria tentava escrever uma carta. Em vão. Sentia uma dificuldade
extrema de expor sentimentos e opiniões com uma caneta sobre o papel. Não fazia
isso desde a infância, pensava. Sua última lembrança de receber algo escrito
por alguém remetia a um cartão de natal que ganhou da avó aos 9 anos de idade.
O ato de enviar cartas ela não possuía em sua gaveta de memórias remotas. <o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-size: 13.5pt;"><br />
Ela é a típica mulher antenada: tem tablet, smartphone, ultrabook e Ipod. Evita
comer glúten e lactose. Malha 4 vezes por semana e passa Renew. Posta no
Instagram, compartilha no Facebook e está desistindo do Twitter. Fez MBA em
Marketing e Pós-graduação em Administração Pública. Lê horóscopo no jornal pela
manhã, mas ao fim do dia já não se lembra do que leu e nem se a previsão deu
certo. É apenas um hábito. O nome Maria é considerado por ela interessante, por
remeter a imagem de uma mulher mais simples, o que contrasta com seu estilo
sofisticado. Ela está sozinha em um quarto de hotel em São Paulo. A noite fria
que ela abraçou ao caminhar pela Avenida Paulista ficou do lado de fora. No
quadrado simples e confortável onde ela se encontra o clima é ameno,
acompanhando os gestos delicados dela. <o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-size: 13.5pt;"><br />
Escreve, apaga, torna a escrever, desiste por um tempo, retorna, não se agrada
com a primeira frase e se desespera por ter tanto a dizer e ver a página vazia.
Não encontra palavras e nem o impulso que a levou a tomar aquela atitude. <o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-size: 13.5pt;"><br />
Está em São Paulo para uma reunião com investidores estrangeiros que querem
comprar uma parte da empresa em que ela trabalha. Chegara um dia antes para
preparar alguns detalhes com mais calma e não correr o risco de um vôo atrasado
na manhã da reunião. É uma mulher prevenida. <o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-size: 13.5pt;"><br />
Duas horas antes, quando sentada na cafeteria da Livraria Cultura, pensava no
caos que tomava conta de sua alma até então em equilíbrio. Tinha nas mãos um
envelope que prometera abrir apenas quando encontrasse Gabriel, seu namorado há
3 anos. Um oposto que a completava onde ela mais precisava. Um semelhante que a
confrontava por saber que a mulher que amava não era perfeita, pois ninguém é.
Ela não resistiu e abriu o envelope para saber seu conteúdo. Sentia-se no
direito de ter a solidão e a reação que julgasse oportuna, sem o olhar de
conhecidos. <o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-size: 13.5pt;"><br />
O que diria Virginia Woolf sobre Maria? O que descreveria Simone de Beauvoir? E
Lygia Fagundes Telles? Clarice Lispector? Martha Medeiros teria algo de bom a
lhe dizer? Suas mentoras não alcançavam a complexidade das suas necessidades e
medos. O que era já não sabia mais. Não havia paradigmas a seguir. Agora vivia
o presente e o futuro, a certeza e a esperança, seu sossego e a perdição.
Estava grávida. <o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-size: 13.5pt;"><br />
Seus planos de maternidade remetiam a um tempo de inocência em plena
efervescência hormonal da adolescência. Agora aos 29 anos só conseguia pensar
na promoção que batalhava para alcançar na empresa, nos lugares do mundo onde
ainda gostaria de pisar, na estabilidade financeira e emocional que sentia
ainda distante de acordo com os padrões rígidos que estabelecera para si. Ela
que era fruto da revolução feminina das décadas de 60 e 70 o qual suas avós e
mãe enfrentaram. <o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-size: 13.5pt;"><br />
Tentava se olhar por fora. Não a casca que cobria suas vísceras, mas ter um
olhar distanciado daquilo que vivia a cada segundo. Achava engraçado perceber a
loucura que carregava no olhar distante, o pensamento mergulhado em
descobertas, tudo misturado. Era apenas ela e nada mais.<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-size: 13.5pt;"><br />
O celular começou a vibrar sobre a mesa onde Maria tentava escrever. Ela queria
enviar a carta para Gabriel, carta esta que chegaria depois dela ao Rio de
Janeiro. Foi a forma que encontrou para dar a inesperada notícia: ele seria
pai. Não tinha coragem de falar para ele diretamente. Pelo menos até aquele
momento não encontrava essa força. O celular continuava a vibrar.
Gabriel. <o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-size: 13.5pt;"><br />
- Alô, amor?<br />
- Oi.<br />
- Tá tudo bem?<br />
- Tudo. Não foi pro futebol hoje?<br />
- Não. Fiquei em casa. Me bateu uma vontade de te falar uma coisa.<br />
- O que? Fala.<br />
- Eu até anotei pra não esquecer: “Nada pode passar sem lágrimas, suor e amor.
Se não for pra sentir, prefiro esperar. Meu tempo é feito de intensidades. Só é
perfeito para nós o que contiver as qualidades e defeitos certos para aquilo
que precisamos aprender. Nossas necessidades são cheias de mistérios.”<br />
<br />
- De quem é?<br />
- Meu. <o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-size: 13.5pt;"><br />
Em poucas palavras ele conseguiu dizer o que ela precisava escutar. Como se ele
já soubesse de tudo o que estava acontecendo dentro dela. Maria conseguiu
captar os sentimentos de cada frase. Sem que ele percebesse, ela começou a
chorar. Tinha uma vida que precisaria muito dela. E a partir dali saberia que
ela também precisaria tanto daquela vida que gerava. Vida alimentando
vida. <o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-size: 13.5pt;"><br />
- Lindo.<br />
- Ninguém nunca nesse mundo vai entender o que temos. Até porque o que temos
não é deste mundo. Não é mesmo? Te amo.<br />
<br />
Ficaram ainda um tempo conversando e depois se despediram. As declarações
enigmáticas de Gabriel tinham atingido ela em cheio. A mulher antenada agora
seria mãe. Foi então invadida por uma felicidade que a deixava inquieta, sem
palavras que pudessem descrever com justiça os sentimentos que se faziam
presentes. Queria poder inventá-las de acordo com suas crenças e desejos, pois
as que aprendera não lhe confortavam. O que sentia não tinha um símbolo, mas
era carregado de significados. Era tão bom ser inexplicável!<o:p></o:p></span></div>
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt;">
<span style="font-size: 13.5pt;"><br />
<br />
Ernesto Xavier<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
Ernesto Theodoro de Morais Juniorhttp://www.blogger.com/profile/11833005161328970968noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6619123176707739944.post-20993141198748295022015-10-23T06:10:00.000-07:002015-10-23T06:10:16.796-07:00DESPEDIDAS<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiA6s5K_275aGrEcEA9x50-Xc4ehxlduQxo3FzzI2lWDmq38ZmHuiGS9C3JqaemsC8KHwALNbsUAjKD04SLxealQnS_V24qv2ebjaw4sRXlA72uf2p5uwJ1QDIP178gftGLlTw0gIXTSnWJ/s1600/walkin.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="269" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiA6s5K_275aGrEcEA9x50-Xc4ehxlduQxo3FzzI2lWDmq38ZmHuiGS9C3JqaemsC8KHwALNbsUAjKD04SLxealQnS_V24qv2ebjaw4sRXlA72uf2p5uwJ1QDIP178gftGLlTw0gIXTSnWJ/s320/walkin.jpg" width="320" /></a></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Às vezes nos despedimos para sempre de alguém que
continuaremos vendo. O adeus ocorre sem palavras em um abraço que talvez nunca
será lembrado, em uma tarde de outono na estação do metrô. Este não será o
adeus contado pelo casal. Na história ficará marcada a noite de 2 meses depois
em que ela o avisou por SMS que tinha deixado as coisas dele na portaria do
prédio. Entre tulipas de chopp será contado e recontado. Assim será até quando
uma estudante de cinema da PUC, com jeito de menina parisiense o levar a sonhar
novamente. O processo se reiniciará até que o porteiro de um outro prédio venha
a ser o portador das lembranças de uma outra acabada e confusa história de
amor.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">O homem se separa e continua encolhido em um canto da
cama. Sem que ele saiba, seus braços a procuram na madrugada vazia. Em vão.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Havia amor no riso, assim como havia pesar no beijo.
Aquele que seria o último, que faria da despedida um hiato na existência, pois
amores deixam vazios que depois são preenchidos com lembranças a serem
contadas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">O cheiro dela permanecerá e quando caminhando
distraidamente pela Ataulfo de Paiva ele cruzar com uma mulher de igual
perfume, terá por ela uma atração repentina que se dissipará rapidamente junto
com o aroma que se perde sem deixar rastro.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Na caixa deixada na portaria poucos objetos: uma
toalha, um barbeador elétrico, duas cuecas, uma bermuda, um jeans, três
camisas, um par de havaianas, um Ray Ban e um porta-retrato com a foto da
primeira viagem que fizeram juntos, para Búzios. O que restou da relação cabia
em uma caixa que um dia trouxe um aparelho de DVD novo. Ele que foi comprado
pelos dois para preencher as noites de chuva no apartamento, com pizza e
refrigerante. O aparelho está esquecido. Perdeu o emprego para o Blu Ray.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Não costumamos perceber as despedidas. Quando se diz
“adeus” é porque o fim já aconteceu há muito tempo. O momento derradeiro de
verdade se faz no último beijo com resquícios de paixão. Por que não paramos
por aí? Seguimos...<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">A mulher certo dia o viu sair do apartamento e teve
certeza de que seu namorado nunca mais voltaria. O homem que adentrara dez
minutos depois já não era mais o mesmo, era outro com quem ela ainda transaria
mais algumas vezes, em um sexo sem sentido na tentativa de resgatá-lo, de fazer
o namorado novamente entrar pela porta do apartamento. Já não seria mais
possível. Ele tinha ido sem olhar para trás e dizer tchau.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Haverá pesar na despedida. A dor sentida não será mera
formalidade de luto e sim a amputação de um pedaço de si. Algo que por um tempo
julgou ser imprescindível. E era. Estar ao lado não quer dizer estar junto.
Assim como eles, são tantos casais, que de mãos dadas estão mais separados do
que qualquer distância poderia fazê-los.<o:p></o:p></span></div>
Ernesto Theodoro de Morais Juniorhttp://www.blogger.com/profile/11833005161328970968noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6619123176707739944.post-9231354387387682842015-10-20T05:02:00.000-07:002015-10-20T05:05:34.466-07:00CRISE<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg6vG1nqtNiadCpB1cSDIQpSHqqDcgd75hGbhY5SL58xRD1xhKl1lk3UQejJJ0YKN35QvVBJY3_MEXqRLKX_X4Qe2-8GW3yZP6t4oKypBWaVy7GYuomQzy3GzGEbAcM4m8PB3b0TRUEcyEf/s1600/couple.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="211" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg6vG1nqtNiadCpB1cSDIQpSHqqDcgd75hGbhY5SL58xRD1xhKl1lk3UQejJJ0YKN35QvVBJY3_MEXqRLKX_X4Qe2-8GW3yZP6t4oKypBWaVy7GYuomQzy3GzGEbAcM4m8PB3b0TRUEcyEf/s320/couple.JPG" width="320" /></a></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">O alarme do celular tocou alto e o som invadiu todo o
quarto com aquela música da Marisa Monte: “Ainda bem que agora eu encontrei
você...”. A melodia que fora uma de suas prediletas virou pesadelo.<span style="background: white;"> </span>Ela agora faz todos os dias uma associação com o momento em que deve começar a
se preocupar com o trabalho, o trânsito, a dieta... Nenhuma música resiste quando vira ringtone. Desligou o despertador o
mais rápido que pôde depois de tatear por alguns segundos intermináveis a mesa
de cabeceira, derrubar o celular no chão e achá-lo ao lado das Havaianas
embaixo da cama. Processo que era quase um ritual. Após um minuto de preguiça,
deitada, sua consciência foi ficando ativa novamente.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">- Hoje é sábado! <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Havia se esquecido de desligar o despertador na noite
anterior. Uma alegria subiu pelo seu corpo, como na infância quando levantava
para ir à escola e a mãe a avisava de que era feriado e ela poderia dormir mais
um pouco. Pequenos prazeres nunca perdem a validade. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">O celular toca novamente. Mais Marisa Monte. Ela vê a
foto e o nome do namorado na tela. A música chega quase ao fim e ela não
atende. Caixa postal. Torna a tocar. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">- Alô, Ana? Te acordei?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">-Não. Já tava acordada há um tempo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">-Te conheço. Com essa voz...<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">-Fala logo o que você quer, Felipe.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">-Desculpa. To ligando pra falar que o vôo vai atrasar
meia-hora. Devo chegar 10h30 mais ou menos. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">-Putz! Esqueci que você chegava hoje.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">-Eu posso pegar um táxi.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">-Não precisa. Eu te pego lá. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">- Até daqui a pouco. Obrigado. Te amo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Aquele “te amo” no fim da frase foi como uma facada no
peito. Ela chegou a pensar em responder “também te amo”, mas para ela aquilo
seria ainda pior. Ela não mentiria para ele, mas para ela. Não tinha certeza
sobre o que sentia àquele momento. Ainda amava? Preferiu desligar sem dizer
nada.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Tudo começou com uma mensagem suspeita que ela viu no
celular dele. Culpou-se por invadir a privacidade do namorado, lendo suas
mensagens de texto, vendo quem tinha ligado. Porém uma desconfiança que surgiu
sem motivos aparentes a fez ir atrás. E como dizia a mãe: “Quem procura, acha”.
<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">O sms deixava aberta a possibilidade de
interpretações. “Está preparado para amanhã? Estou ansiosa. Bjo, Ju.” Ele disse
que era uma colega de trabalho nova que estava preocupada com a reunião
importante que teriam no dia seguinte. Ela argumentou que uma colega de
trabalho não escrevia algo daquele tipo. Ele rebateu dizendo que a menina era
nova no escritório e que não tinha ainda a malícia que a maioria poderia ver em
suas palavras. A crise estava instaurada. Ele fez juras de amor eterno, disse
que nunca faria algo do tipo, que jamais a traiu, blá blá blá. Ela esbravejou,
teve nojo, chorou e no fim sentiu uma dormência que beirava a indiferença. Dois
dias depois ele viajaria a trabalho. Passaria três dias fora do Rio. “O
afastamento vai servir para acalmar os ânimos”, pensou ele. “Vai viajar com a
piranha. Aposto.”, pensou ela. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Assim como quando colocaram chinelo, short adidas e
camisetas com dizeres em inglês em índios, ela sentia uma estúpida invasão do
desconhecido, a perda irrevogável da inocência. Ela era perfeita para ele,
sabia que não existia no mundo alguém que o admirasse e tratasse tão bem como
ela. Por que ele a trairia? Ela estava feia, desleixada? Seria porque engordou
2 kg desde que começaram a namorar? A primeira reação foi se culpar. Pensava
que algo nela estava errado, perdendo a luz. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Nunca se sentiu preparada para algo. Ia de peito
aberto ao encontro da ponta da faca. Os ferimentos seriam como palavras
escritas em um diário aberto, expostas na internet. Entregou-se completamente a
ele, abriu as entranhas como nunca fizera antes. Agora perdia o chão, caindo em
um precipício sem fim. Três intermináveis dias em que evitou ao máximo lembrar
dele. Em vão. Permanecia atrás de respostas que talvez nunca viessem. Muitas
vezes não se busca a solução para os problemas e sim a identificação. Sentir-se
retratado pelo outro consola no sentido de que não se está sozinho nesse mundo.
É o conforto da compreensão verdadeira de outrem. Porém não tinha coragem de
contar a mais ninguém. Mesmo sem a certeza absoluta, algo lhe dizia que era um
fato. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Buscou Felipe no aeroporto. O caminho até a casa dele
foi feito praticamente em silêncio, interrompido apenas por uma sucessão de
xingamentos proferidos contra um motorista de ônibus que deu uma fechada
criminosa nela. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Entrar no apartamento dele foi praticamente
automático. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Felipe a beijou, ela aceitou, porém logo em seguida o
afastou bruscamente. Não conseguiria seguir em frente sem esgotar tudo o que
queria dizer e ouvir. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Ela expôs mágoas que remetiam há 3 anos passados. Ele
reclamou da forma displicente com que ela tratava a carreira dele. Ela rebateu
dizendo que depois de tanto tempo ainda não se sentia à vontade com a família
dele e ele era o culpado. Ele alfinetou com insinuações de que o ex-namorado
dela se fazia de amigo e só ficava à espera de uma oportunidade. Ela disse que
ele não se preocupava mais com as preliminares. Ele disse que ela também. Ela
confessou que sentia falta do carinho dele quando terminavam de transar. Ele
silenciou. Ela deixou o corpo cair no sofá em um movimento de puro cansaço
emocional. Ele um homem de 35 anos. Ela 2 anos mais nova. Ambos exaustos de términos,
começos, solteirices, novos planos, frustrações e ciclos que se repetiam
infinitamente. Resquícios naturais deixados pela juventude. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Ele estava chorando. Ela tinha visto isso acontecer
apenas uma vez. Levantou-se e foi abraçá-lo. <o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Só é crise quando ainda existe amor. O resto é
desesperança.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Times New Roman, serif;"><span style="line-height: 18.4px;">Ernesto Xavier</span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
Ernesto Theodoro de Morais Juniorhttp://www.blogger.com/profile/11833005161328970968noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6619123176707739944.post-63669695829757676712015-10-18T04:42:00.000-07:002015-10-18T04:42:55.265-07:00O HOMEM MATEMÁTICO<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiMMhNWVq-yFi6fw1avqDV7MAyuCfcW8SozVQa9wQvppvXBDt5KROHxTauuvyhk0iZFfs3lUl13ZnBzNNL4xWTLkgtWlfNu1K796Us42m485gRxYevAr2b60kDUbPzvDHxF4_i270gOapUJ/s1600/DR+1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="213" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiMMhNWVq-yFi6fw1avqDV7MAyuCfcW8SozVQa9wQvppvXBDt5KROHxTauuvyhk0iZFfs3lUl13ZnBzNNL4xWTLkgtWlfNu1K796Us42m485gRxYevAr2b60kDUbPzvDHxF4_i270gOapUJ/s320/DR+1.jpg" width="320" /></a></div>
<br />
<br />
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">O homem em seus devaneios quase matemáticos calcula os
passos, cada palavra a ser dita, respostas e variáveis para o diálogo, traça a
parábola que o levará até ela, se diminui, depois bebe e se multiplica de forma
exagerada, na tentativa da coragem inalcançável na sobriedade.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Encostado no balcão ele fita a presa com um olhar
discreto. Apenas para as análises preliminares. Sente algo diferente, como se
pudesse imaginar claramente que futuro teriam juntos: a cor da casa e do carro,
o nome dos filhos, a cidade preferida nas férias, a música que tocaria na
entrada dela no casamento, sua comida favorita e quem sabe até qual filme do
Woody Allen ela gosta mais. </span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Suposições que o homem matemático faz enquanto
calcula suas possibilidades, probabilidades.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">O homem matemático é capaz de se apaixonar várias
vezes ao dia. Seu prazer não está na conquista e sim nas fantasias criadas em
alguém que vê em um vagão do metrô, numa sessão de cinema francês à tarde em
Botafogo ou em um chopp com os amigos em Santa Teresa. Não há hora ou lugar.
São trocas de olhares que ele vai colecionando em sua estante emocional de
relacionamentos nunca consumados. Juras de amor eterno que não foram ditas,
rompantes de ciúme que jamais chamarão a atenção dos transeuntes, demonstrações
de afeto que não serão invejadas pelas amigas dela, pois nunca aconteceram.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">A vida do homem matemático(ou quase) é bem agitada.
Ele não terá histórias reais para contar na mesa do bar, porém dirá com
profundo pesar que deixou a mulher de seus sonhos escapar num ponto de ônibus,
quando ela ao entrar em seu coletivo olhou sorrateiramente para trás, cruzou
seus olhos com os dele e fez daquele segundo em silêncio a mais bela poesia que
ele já ouvira. Ela partiu Barata Ribeiro abaixo enquanto ele se postava
impávido vendo a perfeita mãe para seus filhos partir sem deixar um número ou
contato do facebook. Talvez se o tivesse, descobriria que eles tinham em comum
uma amiga que estudou com ele no primário do Andrews e também um fortão que fez
natação com ele no Fluminense há 4 anos passados. Fortão que costumeiramente
comentava as fotos dela. Seria alguma espécie de ficante sazonal? O homem
matemático não mensurava o tamanho da decepção que teria com uma confirmação
dessas. Resolveu nem pensar. E como poderia? Não tinham trocado nem um “oi”. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Os amigos do homem matemático gostam dele assim
mesmo. Já tentaram mostrar para ele que
os relacionamentos são mais humanos ou biológicos do que exatos. Mas ele
insistia em dizer que preferia encontrar o valor do seu “x” dentre tantas
variáveis ao invés de ser enganado por prosopopéias ou versos alexandrinos.
Vivia o rigor de suas fórmulas, sabia projetar o resultado de cada
relacionamento dos amigos, embora não tivesse feito o mesmo em sua vida.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">O tempo também passará para o homem matemático. Assim
talvez veja que a direção a seguir não será uma questão de vetores e que no
amor, para multiplicar é preciso em primeiro lugar <u>dividir. <o:p></o:p></u></span></div>
Ernesto Theodoro de Morais Juniorhttp://www.blogger.com/profile/11833005161328970968noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6619123176707739944.post-37561060184596644472015-10-09T12:22:00.000-07:002015-10-09T12:26:26.386-07:00MEA CULPA<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEinL6XYXOxi6Bm0QTYuM9ZeslComDTTIXwm5oWUWQ7tSW_-4s6fN5oaH9hIaCteaMfm8wNLsUuZHQAkwju0vKZs7nHq_UD87tBWAC8g8SupdPRatRmhYQ52udMsqur5Jtd5tlbRS5oOLzrw/s1600/cachos.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="213" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEinL6XYXOxi6Bm0QTYuM9ZeslComDTTIXwm5oWUWQ7tSW_-4s6fN5oaH9hIaCteaMfm8wNLsUuZHQAkwju0vKZs7nHq_UD87tBWAC8g8SupdPRatRmhYQ52udMsqur5Jtd5tlbRS5oOLzrw/s320/cachos.jpg" width="320" /></a></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Mulher, <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Quero pedir desculpas. Não que eu possa responder por outros, mas me sinto na obrigação de fazê-lo. Falo por mim. Portanto, escreverei na
primeira pessoa.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Por minha causa foi necessária a criação de vagões
exclusivos para que você pudesse viajar sem o temor de ser abusada sexualmente,
empurrada, ameaçada.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Por minha culpa você tem medo de andar sozinha à noite. Não
precisa mais temer a roupa que irá usar. Não mais vou achar que está me
provocando e nem tentarei estupra-la ou falarei frases constrangedoras como:<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
“Te chupava todinha”, “Essa deve enlouquecer na cama”, “Quer
segurar aqui?”, “Gostosa”, “Safada” e outras do tipo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Por minha culpa e consentimento de amigos, os seus salários
são inferiores ao meu. Perdão. Também não usarei a desculpa de que tenho que
trabalhar mais enquanto você está de Licença Maternidade. Você fica exausta, eu
não te ajudo como deveria e ainda faço pouco caso. Não são férias, eu sei. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Sei que sou culpado pela morte de muitas de vocês. Não mais
morrerão por minhas mãos. Nem precisa se sentir intimidada por me denunciar.
Assumirei a culpa por meus atos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Por minha total culpa você não pôde escolher o que fazer com
seu corpo. Não te incriminarei se quiser ou precisar abortar. Assumo que o
crime está nas inúmeras vezes que te abandonei ao saber que estavas grávida.
Joguei sempre em ti a responsabilidade total dos filhos. Não posso medir o
tamanho do trauma por colaborar para que você passasse por isso. Estarei ao seu
lado seja lá qual for a decisão. Prometo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Enquanto você varria a casa, eu descansava. Você estava
lavando louça e eu dedicava mais tempo aos estudos. Você passava roupa e eu via
o noticiário. Desigual, não? Eu criei essa cultura de propósito. Assumo que agi
errado.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Você escolhe se quer fazer cesariana ou parto normal. Também
não vou te expulsar ou assediar se quiser amamentar em locais públicos. É um
direito seu que eu tirei. Fiz parecer que você deveria se envergonhar por isso.
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Eu te impus uma luta estressante contra seu próprio corpo. Ao
mesmo tempo exaltei as minhas imperfeições como se fossem o resultado de uma
vida gloriosa. Esqueça disso. Sinta-se bem e bonita como você é. Culpa minha,
eu sei. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Quem sou eu para opinar sobre assuntos totalmente seus? Não
passo os seus medos, não menstruo e nem fico grávido, não tenho tantas
alterações hormonais, não sou assediado em cada esquina, não sou pressionado a
trabalhar, cuidar dos filhos, da casa e ainda estar bonita e disposta para
transar.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Por minha causa você é taxada de piranha, puta e galinha
quando fica com alguém e eu sou festejado por fazer sexo com várias.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Também por minha conta criaram material pornô voltado apenas
para o público masculino, sempre subjugando as mulheres.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Sei que durante muito tempo eu disse que vocês não eram
capazes, não chegariam longe, diminuí a autoestima e humilhei quando quis. Sei
disso. Desculpa.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Eu ajudei a criar mecanismos que dificultassem sua ascensão
em empresas, na política e até na arte.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Joguei a culpa em você por dirigir mal, mesmo sabendo que
80% dos acidentes com ou sem vítimas envolvem motoristas do sexo masculino.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Por minha causa tratamos as mulheres transexuais como uma
sub-raça. Não só isso. Matamos, batemos, não damos a elas acesso à educação e
trabalho. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Eu ajudei a te fazer esquecer ou ignorar o sentido do dia 8
de março. Aproximadamente 130 mulheres morreram carbonizadas naquela fábrica,
em Nova York, em 1857, apenas porque reivindicavam igualdade e melhores
condições de trabalho. Maquiei esse dia apenas te dando flores. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Sei que é fácil pedir desculpas depois de tanto tempo
tratando você assim, mas queria ao menos estabelecer uma relação mais saudável
a partir de agora. Você tem todos os motivos para não aceitar ou acreditar no
meu pedido de perdão. Errei durante muito tempo. É difícil confiar em mim. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
É fácil estar no papel do opressor, já que posso
desqualificar o que julgo estar abaixo de mim e imponho minha vontade pela
força física, mental ou social. Faço isso há milênios. Literalmente. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Empodere-se. Tentei
tirar seu poder, mas ele é nato. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Não vou mais desmerecer, nem ridicularizar sua luta. Ela
existe porque eu existo e ainda sou como sou. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Minhas sinceras desculpas,<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Ernesto Xavier<br />
<br />
<br />
<br />
. 10 de outubro - Dia Nacional de Luta contra a Violência à Mulher</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 18.0pt; margin-bottom: 6.0pt; margin-left: 18.0pt; mso-list: l0 level1 lfo1; mso-margin-top-alt: auto; tab-stops: list 36.0pt; text-indent: -18.0pt;">
<br /></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
Ernesto Theodoro de Morais Juniorhttp://www.blogger.com/profile/11833005161328970968noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-6619123176707739944.post-30893220051548374092015-10-05T08:57:00.000-07:002015-10-05T08:58:21.465-07:00CANTO DE DOR<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi9gb6n9T7_OAaTHgxAEeXIum9vWcLXfWkPIkVMgiBsTO8i_43hCi_ovRMtcyfW3Z7pu602iNinKUc0ju0PsXrMHDYntUrbYokjRqZ6v9c4edcAEZow_nk5Ydcdlhn1cQBPyPA3XDCnDlV9/s1600/open-door.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="213" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi9gb6n9T7_OAaTHgxAEeXIum9vWcLXfWkPIkVMgiBsTO8i_43hCi_ovRMtcyfW3Z7pu602iNinKUc0ju0PsXrMHDYntUrbYokjRqZ6v9c4edcAEZow_nk5Ydcdlhn1cQBPyPA3XDCnDlV9/s320/open-door.JPG" width="320" /></a></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Ao sair pela madrugada fria de julho a rua era só silêncio.
As luzes amarelas mostravam o caminho a percorrer. Para trás deixava parte de
si. Suas partes mais importantes, na verdade. Doía deixar duas crianças
sozinhas. Uma menina de 12 e um garoto de 8 anos. A mais velha tinha a
responsabilidade de cuidar do menor. Rosângela, ou Rose, como era conhecida em
Antares, onde vivia e no trabalho, olhava apenas para frente, pois se
fraquejasse desistia e voltava para o aconchego deles. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
O ex-marido tinha sido preso por roubo há 4 anos. Ela se
sentia aliviada porque não apanhava mais. Denunciar, em sua cabeça, seria o
mesmo que assinar a própria sentença. Quem protege uma mulher negra na favela?
Quem iria mantê-lo afastado dela e das crianças? <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
O horizonte que ficava azul aos poucos a levava a
pensamentos distantes. O que a teria levado até ali? Por que precisava criar os
filhos dos outros para que pudesse dar o de comer para os seus próprios filhos?
Quem criava os seus? Deixaria para eles o mesmo legado de desesperança?
Mantinha-se firme para que não a vissem tropeçar. Fazia questão de não dormir
no trabalho para ter ao menos alguns instantes com eles. Queria fazer alguma
diferença. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Mantinha contato constante pelo celular com Luísa, a filha
mais velha, para saber como estavam. Seu corpo estava longe, mas a alma cercava
os filhos para protege-los. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
O que seria ter liberdade? Não sabia, pois tudo a sua volta
lhe impunha limites quase intransponíveis. Não podia ir onde quisesse. Não
tinha estudo para mudar ou crescer no trabalho. Não tinha dinheiro. Não tinha
mais forças para sonhar. Se sentia presa ao chão para sempre. Seu maior medo
era deixar essa herança para os filhos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
O seu dia era marcado pelo pensamento distante, o trabalho incessante,
o carinho que tinha pelo filho dos patrões. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
No ônibus ao retornar ligou o rádio no celular como de
costume. Conseguiu um espaço em pé após uma disputa corporal entre homens e
mulheres. Vencia o mais forte. Atrás dela um rapaz que aparentava 25 anos fazia
movimentos na tentativa de sentir seu corpo. Ela gritou. Todo o ônibus olhou em
sua direção. O rapaz desistiu e fingiu que nada tinha acontecido. Era a selva.
Ela era a leoa defendendo o alimento dos filhotes. Conseguiu ouvir no
noticiário que um confronto entre policiais e traficantes tinha ocorrido na
comunidade onde vivia. Não chegava a ser uma novidade, mas nada tirava o aperto
de seu peito. A preocupação com quem havia deixado em casa. Segurava o terço
dentro da bolsa e pedia a Nossa Senhora das Dores que protegesse os seus. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Ouviram os primeiros tiros longe dali. Mesmo assim se
puseram deitados no chão. Aos poucos os estampidos ressoavam cada vez mais
próximos. O barulho de motos passando em disparada chamaram a atenção do
garoto. Levantou-se para vê-las passar. Luísa não teve tempo de reagir. Patrick
recebeu o impacto no peito e caiu no chão. O tiro havia atravessado a janela.
Fulminante. Por cerca de 10 minutos ninguém sabia o que tinha acontecido dentro
daquela casa. Todos estavam escondidos dentro das suas e pouco poderiam saber
sobre o que passava do lado de fora. Os sons de tiro cessaram. As sirenes das
viaturas estavam distantes. O grito de horror e desespero de Luísa invadiu
todas as casas ao redor. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Na favela nenhuma bala é perdida.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Rose apertava o passo para chegar em casa. Queria ter estado
perto dos pequenos quando a guerra teve lugar. Ela não via mais nada. Tentava
abrir espaço na multidão. Aos solavancos passava. Todos parados a olhar a
tragédia. O faziam por curiosidade, pena, desespero, alívio. Assistir as
mazelas humanas de fora dá a dúbia sensação de pertencimento, por saber que
aquela é também sua realidade, mas ao mesmo tempo alívio, pois sabe-se que ao
menos dessa vez você não foi o atingido. Por mais que muitos ali sentissem o
acontecido, só ela teria a real noção de sua dor. Apenas ela deixaria de dormir
seguidas noites em prantos. Ela se culparia. Ela carregaria o peso da ausência,
a opressão do vazio. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
- É minha casa. Por que estão na frente da minha casa?
Deixem eu ver meus filhos! Meus filhos. Meus filhos. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Parou. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
O que estava acontecendo? Por que tanta gente? Por que os
policiais na sua porta? <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Tentaram impedir que entrasse.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
- É minha casa! <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Mãe!!! – gritava Luísa lá de dentro. Abriram para que a
mãe passasse. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Viu o pano branco sobre o corpo caído. Acreditar em que? Se
apegar a quem? Onde consolar-se? <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Um grito sem som. Olhar perdido. O silêncio de sua dor
inundava a favela. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Queria traze-lo de volta para sua barriga, onde ele estaria
sempre protegido. Ninava o corpo inerte e cantava uma música de dormir inteligível.
Era como uma oração própria, só compreendida por eles. Balançava para frente e
para trás. Enquanto isso os abutres empoleiravam-se na janela para ver a cena.
Tiravam fotos para colocar na capa do jornal no dia seguinte. Mais uma história
para a conta. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Suas mãos, de parcas forças, já haviam carregado bebês
alheios, mexido panelas, segurado enxadas e agora tentavam enxugar seu
desespero.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Deveria ser proibido mãe enterrar filho. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
Ernesto Xavier<o:p></o:p></div>
Ernesto Theodoro de Morais Juniorhttp://www.blogger.com/profile/11833005161328970968noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-6619123176707739944.post-42680342707595595052015-09-22T21:05:00.001-07:002015-09-22T21:07:51.982-07:00DOIS LADOS<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiFwvSKh_Ju0AtqNFLZUP-0FyqdHeUkw7YHSGB7ekfnfN0Yb6Rf6C9Sps1bQpOZskLu94CuP6J1CEyI9RizDGNQwG5NeDyfZ4jzcFkWubrR_zJz3wq_6-sVNjwlMWiUl77unqW6C9_Ztdb4/s1600/couple.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="211" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiFwvSKh_Ju0AtqNFLZUP-0FyqdHeUkw7YHSGB7ekfnfN0Yb6Rf6C9Sps1bQpOZskLu94CuP6J1CEyI9RizDGNQwG5NeDyfZ4jzcFkWubrR_zJz3wq_6-sVNjwlMWiUl77unqW6C9_Ztdb4/s320/couple.JPG" width="320" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
“Pra quê voltar se já sei o que
não vou encontrar?” Abrir a porta do apartamento ao voltar do trabalho tinha
sido seu pesadelo durante todo o dia. Ela não estaria mais lá. A despedida
tinha acontecido naquela manhã, antes que ele saísse. “Nem teve a compaixão de
partir quando eu não estivesse”, pensou. Melhor assim. Talvez pensasse que tudo
continuaria igual, pois não teria havido despedida. O corte, a ruptura crua e
clara era dolorosa, porém traria o alento da verdade. Encarar a realidade é
melhor do que os prolongamentos angustiantes da ilusão. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Marcelo não era o melhor homem
com quem Luísa havia estado. Não se assemelhava nem a Alberto em seus melhores
tempos, mas tinha no olhar um desejo por ela, que a fazia sentir quando aos 20
anos de idade, passava de propósito pelos corredores da faculdade em seus
vestidos curtos de tecido leve e solto sobre a pele morena e sentia cada olhar
masculino a desviar-se de qualquer tarefa para apreciá-la. Aqueles olhares apagavam
a adolescência sem graça, quando ainda magra, só tinha a atenção de um homem
que quisesse se aproximar de suas amigas. O amante agora a fazia sentir o
eriçar de pêlos na nuca da juventude. Sua feminilidade reacendida pelo retorno
da auto-apreciação.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Alberto era solar, mas só via
noite a sua frente. Lembrava do pedido de namoro. Pedido que ela recusou, mas
que dois dias depois aceitou. Pensava no primeiro “eu te amo”, mesmo que
hesitante, porém sincero, dito enquanto faziam sexo bêbados. A declaração teve
que ser feita novamente no dia seguinte para que ela aceitasse o efeito. Não
queria que parecesse tudo desculpa da bebida. Disse “eu te amo” a ele também e
sentiu o coração acelerado enquanto o abraçava com a cabeça recostada sobre o
peito dele. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Luísa sentia uma mão tocar sua
perna e pressionar levemente a coxa direita, um arrepio que vinha da base da
coluna à nuca. De olhos fechados se permitia sentir aquilo sem quebrar qualquer
encanto. As buzinas a estourar seus tímpanos a fizeram voltar. Estava dentro do
carro. Sinal verde e ela a relembrar a tarde anterior.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
De tão só se perdia de si. Como
um cego novato a tatear o mundo no escuro em busca de algo que reconheça. Sem
rumo, reaprendendo a caminhar sozinho. Vivia com ela e para ela. Esquecera como
tinha sido antes. Existia antes? Acomodou-se na tranqüilidade do matrimônio.
Emprego estável, casa bonita e quitada, carro novo, mulher que amava. Tudo
corria sem os sobressaltos da juventude. Alberto gozava a aposentadoria das
aventuras aos 43 anos. Agora se perguntava onde o barco tinha mudado de
percurso. Onde? <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Ele saiu do banheiro e veio se
deitar. Luísa lia um livro de Martha Medeiros que ganhara da irmã. Ele se
cobriu com o lençol, deu um beijo em sua cabeça e virou o corpo, como de
costume, para a mesa de cabeceira. Ela veio por suas costas, passou a mão ainda
gelada pelo ar-condicionado nas costas dele e se aproximou, como que para
aquecer-se. Era seu homem. Estivera sempre ali e ela sabia que poderia contar
sempre com ele. Alberto virou e delicadamente começou a beijar a esposa. Há
duas semanas não faziam amor. O cansaço, um programa interessante na TV, a
vontade de ler um livro, uma indisposição, um desencontro, a TPM, a
menstruação. Motivos de um lado e de outro que de escasso, ao longo dos anos,
viraram rotina. Nada que percebessem de imediato. Eram as circunstâncias. Algo
no meio do sexo a fez estalar os dedos mentalmente. Como uma chave elétrica a
desligar toda a energia da casa. Algo apagou e ela não sabia onde poderia
reparar o defeito. Foram até o final sem que ele visse alguma mudança.
Recostaram-se para dormir e ela permaneceu insone. Foram 5 meses até que ela
aceitasse e tomasse alguma atitude, mesmo que naquela tranqüila noite, todas as
luzes dentro dela já estivessem queimadas. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Ele alimentou por anos a
esperança de ser pai. Queria levar o filho aos jogos do Fluminense, queria
ensiná-lo a andar de bicicleta, ajudá-lo no dever da escola, contar histórias
antes de dormir. Não aconteceu. Se havia algum problema com ele ou ela, não
quiseram saber. Jogar a culpa em um dos dois poderia ser o início de uma
decepção velada, porém persistente.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Foi ao ginecologista sem avisar o
marido. Estava atrasada há duas semanas. Não quis contar antes para não criar
expectativas. Dentro de si ela tinha certeza que residia o maior amor de sua
vida. Grávida aos 39 anos. Pelos cálculos, Felipe nasceria em novembro, bem
perto do aniversário da avó paterna. Sucumbiu com apenas 2 meses de gestação.
Alberto nunca mais foi o mesmo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Ela não o alcançava mais. A perda
tinha sido muito maior para ela, claro, mas sofreu em silêncio. Trabalhou mais,
estudou espanhol, viajou para todos os congressos e simpósios que podia. Via o
marido se afundar no próprio abismo, sem gosto, viço, descrente de tudo.
Demorou a voltar ao normal. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Era domingo e Alberto não estava
na cama. Luísa estranhou a ausência dele. Levantou e seguiu os ruídos que
vinham da cozinha. Ele preparava o café-da-manhã e sorriu abertamente ao ver a
mulher ainda com os olhos inchados e a boca seca. O dia nublado daquele outono
frio em Porto Alegre era iluminado por ele, que acordara de um pesadelo de 11
meses. Foi assim de um dia para o outro. Reacendeu.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Luísa já não tinha mais as portas
abertas. Existia amor nela, no entanto nada que o permitisse entrar novamente.
Marcelo surgiu meio que por acaso. Malhavam na mesma academia. Trabalhavam
perto. O encontro após o expediente era natural. Da sala de musculação para o
motel, esse foi o caminho. Ela começou achando que seria apenas uma aventura
para reviver um pouco do prazer próprio, da auto-estima. Se acostumou com as
mentiras e passou a ser fria. Perceber-se indiferente à quase tudo a fez entrar
no apartamento na noite de 18 de julho e dizer que partiria no dia seguinte. O
marido, talvez em estado de choque, não reagiu. Ela ansiava por arroubos de
desespero, uma briga antológica e uma reconciliação avassaladora. Teve o olhar
perdido de um incrédulo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Viram-se 3 vezes mais apenas.
Todas referentes ao divórcio. Alberto mudou-se para o Espírito Santo afim de
nunca mais retornar à Porto Alegre. Luísa ficou mais 3 meses com Marcelo e só
aos 50 conheceu o homem que a acompanharia até a morte. Aos 72 anos uma prima
comentou quase sem querer que soubera da morte de Alberto. Ele voltara a viver
em Porto Alegre, na casa que era de sua família, havia 2 anos. O semblante de
Luísa mudou profundamente. Não soube descrever o que sentira. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Sentiu saudade do café-da-manhã
aos domingos. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
Ernesto Theodoro de Morais Juniorhttp://www.blogger.com/profile/11833005161328970968noreply@blogger.com0Rio de Janeiro - RJ, Brasil-22.9068467 -43.172896499999979-23.3748742 -43.818343499999976 -22.438819199999998 -42.527449499999982tag:blogger.com,1999:blog-6619123176707739944.post-12908575463826038702015-09-22T20:41:00.000-07:002015-09-22T20:45:53.244-07:00IDIOTA<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiCl-NPYY3AaRkq8pws78uoRRJM8vNNokwxxS7qnq23ASAuGeXUJJi66osJtE8dwIYSh1r2ikSYNfmH9NkMqfydGKce195Ryqb01axU_a0HLlCOEavYEL8RqDoo9Z5Pzr2UsdObECI7yW2b/s1600/chifres.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiCl-NPYY3AaRkq8pws78uoRRJM8vNNokwxxS7qnq23ASAuGeXUJJi66osJtE8dwIYSh1r2ikSYNfmH9NkMqfydGKce195Ryqb01axU_a0HLlCOEavYEL8RqDoo9Z5Pzr2UsdObECI7yW2b/s320/chifres.jpg" width="209" /></a></div>
<br />
<br />
<br />
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
O celular vibra sobre a cama, mas não se faz perceber. Durmo
profundamente envolto em sonhos que me levam a cenários desconhecidos, embora
eu reconheça perfeitamente o personagem que interage comigo. Ao acordar vejo o
aparelho ao meu lado. Provavelmente adormeci enquanto lia algum artigo ou
mensagem. Dormimos lado a lado. Eu e o smartphone. Antes de me levantar clico
despretensiosamente o botão que faz a tela acender. O ícone que me chama a
atenção mostra que por duas vezes alguém tentou entrar em contato comigo e não
foi bem sucedido. Duas vezes. Duas chances que deixei passar. Era a mesma
pessoa que invadira meus sonhos. Coincidência? Penso nela todos os dias em
diversas ocasiões. Se passo por um lugar onde costumávamos ir, se preparo um
prato que ela gostaria de experimentar, se a imagino com outro e nada posso
fazer. É assim desde que nos separamos. Não era de se espantar que eu sonhasse
com ela. O inusitado estava em receber ligações às 1h34 e 1h37 de uma
quinta-feira. O que a levou a tal atitude? Não estaria mais namorando? Estaria
infeliz? Mas porque recorreu justo a mim? <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
A diferença de três minutos era uma característica dela.
Quando não conseguia falar comigo na primeira tentativa, esperava passar esse
tempo e tornava a ligar. Ela sabia que eu dificilmente passava esse tempo sem
olhar a tela do celular. Maldito vício. Às vezes eu não atendia só para testar
sua persistência. Era bom saber que alguém realmente desejava a minha atenção.
Alguém realmente me desejava.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Pensamentos que me ocorreram em apenas alguns segundos.
Hesitei em retornar imediatamente. Tarefa árdua para um cara ansioso como eu.
Aguentei 7 minutos. Para ela não faria diferença. Para mim, sim. Um jogo em que
somente eu sabia as regras.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Regra da vida: todo apaixonado é um idiota. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Se você não distorce tudo que ela fala, pensando ser algum
sinal de que ela te quer; se você não corre toda vez que ela te chama; se você
não passa parte do seu dia revisando na memória todos os momentos em que
estiveram juntos, desculpa amigo, você não está apaixonado.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Eu me sentia feminino até certo ponto, mesmo que nunca tenha
sentido nada por homens. Era no sentimento que me aproximava delas. Gostava de
me abrir, de debater. Tinha carência, a falta de algo que não sabia explicar.
Ao mesmo tempo nunca perdi o senso de liberdade masculina, o ímpeto para
aventuras que eram só minhas. Afinal, quem definiria os gêneros hoje em dia?
Alguém ousa?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Quem é o provedor? Quem consola e quem é consolado? Quem
inicia a DR? Quem toma a iniciativa do sexo? Entre nós a resposta sempre seria:
qualquer um dos dois.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Não me surpreenderia se um dia ela saísse na bateria do
Salgueiro. Mentira. Me surpreenderia, mas ela poderia, entende?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Eu queria que todos também se apaixonassem por ela, o que
não era difícil. Fazia parte do prazer de ter escolhido a “pessoa certa”. Como
ficar imune àquele jeito meigo e atrapalhado? Seu sorriso era capaz de
interromper uma guerra por dias.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Ela era a melhor amiga que já tive. Pude abrir meu esgoto e
despejar, não sem o mínimo de vergonha, as angústias, medos e desvios de uma
personalidade forjada a ferro quente. E ela me aceitou daquele jeito torto.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
O telefone tocou 4 vezes até que ela atendesse. A voz rouca
de sono me dizia “por que não liga mais tarde?”. Maldita ansiedade. Meu tempo
parece correr mais rápido que o ritmo do mundo. Quero tudo agora, pronto, não
depois. Droga!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
- Liguei em má hora, né?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
-Não. Eu já devia ter levantado. Tava de preguiça na cama.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
-E o trabalho?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
-Me dei a manhã de folga.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
-Hum.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
-Ele me largou de novo, aquele filho da puta.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Bela forma de iniciar uma conversa. Fiquei em silêncio.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
-Você ainda está aí? Desculpa o palavrão.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
-Nada.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
-Eu não devia estar falando isso pra você.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
-Sem problemas. Somos amigos, não somos? Antes de tudo,
amigos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
-Que bom saber disso. Vai fazer alguma coisa hoje à noite?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
-Não sei. Que tal uma cerva na Praça São Salvador? – eu
disse.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
-Ótimo. Te ligo mais tarde pra confirmar.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Ela não ligou. Eu quis mandar mensagem, perguntar o que
havia acontecido. Eu sabia. Ele voltou com um papo manso. Ela aceitou após
algum protesto. Cada um com sua carência. Fiquei com a minha, eles com as que
lhes cabiam. Não fui à praça, não fui a canto algum.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Quando outra crise lhe batesse a porta, talvez voltasse a se
lembrar do ombro que estava disposto a abrigá-la. Sem rancores. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Um apaixonado é antes de tudo um idiota.<o:p></o:p></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<br />Ernesto Theodoro de Morais Juniorhttp://www.blogger.com/profile/11833005161328970968noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-6619123176707739944.post-18300629797130734662015-08-31T11:31:00.002-07:002015-08-31T11:31:55.332-07:00UM PASSO <div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 12.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 12.0pt; text-indent: 35.45pt;">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj67_8-qro6hbNfIp5ciISwywjN7eWHkCdw1_2ouXDeNKatr0LYXG4unUQrN8Wf1PtMB5d4ihecsZRDEpkIHvCyF16HibOj8HUZ8HUs5GYwVsFOgoBQFJHt5ySMeznjVC8RakVxmv-wMSq8/s1600/escada.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="213" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj67_8-qro6hbNfIp5ciISwywjN7eWHkCdw1_2ouXDeNKatr0LYXG4unUQrN8Wf1PtMB5d4ihecsZRDEpkIHvCyF16HibOj8HUZ8HUs5GYwVsFOgoBQFJHt5ySMeznjVC8RakVxmv-wMSq8/s320/escada.jpg" width="320" /></a></div>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 12.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 12.0pt; text-indent: 35.45pt;">
Ele estava diante do gatilho. Sentia
o cano frio tocar sua têmpora e o homem a gritar:<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 12.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 12.0pt; text-indent: 35.45pt;">
- Agora diz quem é o policial aqui?
Você não queria um policial?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 12.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 12.0pt; text-indent: 35.45pt;">
Ficou ali deitado um instante,
arquejante, avaliando se ainda estava vivo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 12.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 12.0pt; text-indent: 35.45pt;">
O homem falava com hálito de álcool
bem próximo ao seu rosto, que raspava o chão. Colocava alguma espécie de
documento diante de seus olhos, mas ele não conseguia enxergar nada. Só pensava
“minha mãe não pode ver meu corpo com uma bala na cabeça. Ela não pode me ver assim.
” <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 12.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 12.0pt; text-indent: 35.45pt;">
Tinha saído apenas para encontrar
os amigos em um bar no estacionamento do supermercado. Era sábado à tarde e
ficar sozinho em casa, longe da cidade natal, não era nada fácil. Largou
família, amigos, namorada... A distância derrubou o que já estava cambaleando.
Sonhava com ela quase todos os dias. Acordou chorando algumas vezes, sentiu
raiva de si outras.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 12.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 12.0pt; text-indent: 35.45pt;">
À primeira vista poderia não
parecer, mas ele estava disposto a encarar quem o olhasse. Arrumaria confusão
com qualquer pessoa. Este sentimento inconsciente tomava conta dele aos poucos.
Não sabia brigar. Então porque o faria? Para apanhar. Seria uma forma de
punir-se, de limpar a sujeira em si, de esquecer. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 12.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 12.0pt; text-indent: 35.45pt;">
Ver a morte de frente foi
diferente. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 12.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 12.0pt; text-indent: 35.45pt;">
Tudo começou por causa de uma vaga
no estacionamento. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 12.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 12.0pt; text-indent: 35.45pt;">
- Qual o problema de parar aqui?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 12.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 12.0pt; text-indent: 35.45pt;">
- Essa vaga é de idoso.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 12.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 12.0pt; text-indent: 35.45pt;">
- Não tinha visto.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 12.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 12.0pt; text-indent: 35.45pt;">
- Então tira o carro.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 12.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 12.0pt; text-indent: 35.45pt;">
- Quem é você para me mandar?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 12.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 12.0pt; text-indent: 35.45pt;">
- Não te interessa. Tira, seu
merda.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 12.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 12.0pt; text-indent: 35.45pt;">
- Agora é que eu não tiro. Você é
policial? Vai me prender? <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 12.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 12.0pt; text-indent: 35.45pt;">
O homem sacou a arma e foi na
direção de Márcio. Coronhada na nuca, cabeça no asfalto, hálito de álcool
invadindo as narinas. Conseguiu se levantar e ainda ameaçado pela arma entrou
no carro e acelerou. Os amigos que o esperavam não viram a cena. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 12.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 12.0pt; text-indent: 35.45pt;">
Passou por uma blitz policial, mas
não teve coragem de denunciar o acontecido. Poderia ser pior. Parou o carro
alguns metros adiante e desabou em convulsões de pranto. <i>Ver a morte é assim?<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 12.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 12.0pt; text-indent: 35.45pt;">
Não foi fácil colocar a cabeça no
travesseiro à noite. Não vinha sendo, pelos menos. A mente girava e vasculhava
cada passo que seria dado a partir dali, como se um novo ciclo fosse iniciar e
mais desafiador do que os anteriores. Poderia ser.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 12.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 12.0pt; text-indent: 35.45pt;">
O sentimento era de autodestruição.
Recebera um “convite” para deixar o trabalho. A rua seria seu próximo posto. Metade
de suas despesas eram pagas com a ajuda dos pais. Estava solteiro não por
vontade própria. O aluguel estava atrasado há um mês. Tinha 32 anos e a
sensação de que a adolescência ainda fazia parte dele. Alguns vídeos pornôs
recebidos em grupos no whatsapp eram seus companheiros nas noites vazias.
Sentia que precisava fazer alguma coisa, mas o que? Não encontrava algo que lhe
daria força.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 12.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 12.0pt; text-indent: 35.45pt;">
Existia fundo do poço? <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 12.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 12.0pt; text-indent: 35.45pt;">
Ele pensava que poderia não estar
mais ali, que aquilo poderia não ser realidade. Não ligou para a mãe. Seria
difícil disfarçar o que sentia. Viriam as perguntas que ele não queria
responder. <i>Por que não voltava para a casa
dos pais? <o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 12.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 12.0pt; text-indent: 35.45pt;">
O preto velho da Casa de Mãe Rita
já tinha avisado<i>. Prepara pra dar passo
atrás. Se ficar parado é pra se acabar. Sua missão é grande, fio. Mas fio é
corajoso. Não vai desistir. <o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 12.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 12.0pt; text-indent: 35.45pt;">
Falou para ele tomar três banhos de
cachoeira para mãe Oxum ajudar a clarear as ideias e pedir proteção a pai Xangô.
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 12.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 12.0pt; text-indent: 35.45pt;">
<i>O
que seria dar um passo atrás? Como poderia descer mais? <o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 12.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 12.0pt; text-indent: 35.45pt;">
Ligou para Amanda. A amiga sempre
vinha quando ele chamava. Era um pacto sem contrato. Sexo sem compromisso.
Conversa franca. Verdade falada na cara sem medo de repreensão. Julgava ser a
relação perfeita. <i>Por que não me apaixono
por ela? Por que não ficamos juntos de vez?<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 12.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 12.0pt; text-indent: 35.45pt;">
<i>Vai
estragar tudo, você sabe. Deixa como está.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 12.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 12.0pt; text-indent: 35.45pt;">
Ela foi embora sem saber que Márcio
quase tinha tomado um tiro na fronte. Não sabia também que aquela seria a
última vez deles. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 12.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 12.0pt; text-indent: 35.45pt;">
Resolveu partir na manhã seguinte
de volta para o Rio de Janeiro. Seria voltar atrás? Quem poderia afirmar? As
cicatrizes necessárias para que lembrasse das dores, das perdas, dos
aprendizados, estavam expostas. Precisava lembrar. Era sua forma de crescer. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 12.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 12.0pt; text-indent: 35.45pt;">
Na porta do apartamento, antes
mesmo de colocar as chaves na porta, deixou as malas no chão e pôs-se a ouvir
os sons que vinham de dentro. A televisão ligada em algum jogo de futebol
indicava que o pai estaria ali, provavelmente dormindo. O estalar da gordura
ressoava vindo da cozinha. O cheiro ultrapassava a porta e seguia pelo corredor
do 5° andar. Era a mãe. A voz alta e rouca da irmã saía da mesma direção.
Conversavam, mas ele não conseguiu identificar o assunto. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 12.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 12.0pt; text-indent: 35.45pt;">
Abriu a porta.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 12.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 12.0pt; text-indent: 35.45pt;">
- Mais um prato na mesa, por favor.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 12.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 12.0pt; text-indent: 35.45pt;">
Foram gritos, foi o choro da
saudade que se misturava à incredulidade, foi o pai acordando assustado. Aquilo
não poderia ser <i>voltar atrás</i>. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 12.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 12.0pt; text-indent: 35.45pt;">
Não contaria os eventos dos últimos
dias. O silêncio é também uma decisão. Não dizer, diz muito. A ausência de
palavras é repleta de significados.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 12.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 12.0pt; text-indent: 35.45pt;">
Era recomeço. Era sua primeira
prova de coragem. Para onde iria? <o:p></o:p></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 12.0pt; margin-left: 0cm; margin-right: 0cm; margin-top: 12.0pt; text-indent: 35.45pt;">
A história era o próprio caminho.<o:p></o:p></div>
Ernesto Theodoro de Morais Juniorhttp://www.blogger.com/profile/11833005161328970968noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-6619123176707739944.post-67755426943431184882014-11-28T18:02:00.001-08:002015-09-22T21:09:16.371-07:00DIA PERFEITO<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEho4jtB4-PgAUk4VyR2flhI4yu3rtyv-vrCYjHKl1p4c6mYu4SSnvTAb5cEn_HRwMcAUkkhPdDiIuOFRaX-vBjoCxq2kG40Y2pKE0epiPMWpWh8iPgj5ExutRL3wgaEU7bbwO3AAqnpuTZZ/s1600/Cidade-acesa.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="180" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEho4jtB4-PgAUk4VyR2flhI4yu3rtyv-vrCYjHKl1p4c6mYu4SSnvTAb5cEn_HRwMcAUkkhPdDiIuOFRaX-vBjoCxq2kG40Y2pKE0epiPMWpWh8iPgj5ExutRL3wgaEU7bbwO3AAqnpuTZZ/s1600/Cidade-acesa.jpg" width="320" /></a></div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.15; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<span style="background-color: transparent; color: black; font-family: Arial; font-size: 15px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"><br /></span>
<span style="background-color: transparent; color: black; font-family: Arial; font-size: 15px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"><br /></span>
<span style="background-color: transparent; color: white; font-family: Arial; font-size: 15px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Como chegamos até aqui?</span></div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.15; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<span style="background-color: transparent; color: white; font-family: Arial; font-size: 15px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Era isso o que sonhávamos?</span></div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.15; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<span style="background-color: transparent; color: white; font-family: Arial; font-size: 15px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Hoje acordo pensando ser o dia perfeito. E ao cair da noite, quando as preocupações se dissipam em sonhos férteis, é a perfeição que acho?</span></div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.15; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<span style="background-color: transparent; color: white; font-family: Arial; font-size: 15px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Este caminho que não escolhi é talvez a senha para um futuro melhor. Mas quem poderá garantir? Dia após dia e as lembranças se apagam e depois tornam a ganhar vida. O passado se faz presente. Sinto como se presente e futuro fossem a mesma coisa, pois daquilo que planejei só me restam os sentimentos de algo melhor. O que tenho é bom, é ótimo. Mas será suficiente? </span></div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.15; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<span style="background-color: transparent; color: white; font-family: Arial; font-size: 15px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Que necessidade é essa de algo que não se tem ou não se pode ter?</span></div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.15; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<span style="background-color: transparent; color: white; font-family: Arial; font-size: 15px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Estas palavras que agora se juntam em pensamentos rápidos e talvez melancólicos, saudosistas, são parte de uma natureza selvagem, rude, porém afetuosa, que vê o mundo como um lugar bom pra se viver. Nada me tira a esperança de que desta vida só vou levar o carinho recebido por aqueles que cativei.</span></div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.15; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<span style="background-color: transparent; color: white; font-family: Arial; font-size: 15px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Sou tão indiferente aos passos alheios? Serei eu tão egoísta ao ponto de não perceber que dentro de outrem possa existir um coração? Penso que não. </span></div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.15; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<span style="background-color: transparent; color: white; font-family: Arial; font-size: 15px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Se fiz escolhas erradas, foram elas as minhas escolhas. E de nada mudaria, pois a caminhada tortuosa até aqui também se fez de bons momentos. E talvez mudar um passo possa me tirar coisas que prezo tanto. </span></div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.15; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<span style="background-color: transparent; color: white; font-family: Arial; font-size: 15px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Sou escravo da felicidade. Vivo para ela apesar de pensarem o contrário. A aparência de olhos tristes, esconde um sorriso largo e sincero que se põe tímido diante de um universo tão grande e complexo. </span></div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.15; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<span style="background-color: transparent; color: white; font-family: Arial; font-size: 15px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Amo. Amo demais essa sensação de desafio diário. Nunca ter tido uma vida considerada normal pela grande maioria me dá o poder de ser meu próprio desafiante a cada segundo. Preciso me superar. Recuar muitas vezes, mas sempre no intuito de dar um golpe fatal mais a frente. </span></div>
<span style="color: white;"><span id="docs-internal-guid-57ed0f82-f947-3977-5d80-ad3ad1d30ba3"></span><br /></span>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.15; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<span style="background-color: transparent; color: white; font-family: Arial; font-size: 15px; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Bom ser jovem e ter menos responsabilidade do que deveria. Mesmo parecendo ter passado por uma caminhada cheia de vitórias, são dos percalços que me lembro com mais carinho e atenção. São eles que me fizeram ter o olhar firme. Nada me escapa. E quando pensarem que desisti ou que estou semi-morto, é daí que surgirá meu dia perfeito.</span></div>
Ernesto Theodoro de Morais Juniorhttp://www.blogger.com/profile/11833005161328970968noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6619123176707739944.post-15283172646219980702014-11-28T16:14:00.002-08:002014-11-28T16:14:37.051-08:00CONJUGADO<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">No andar de cima mora uma puta. Atende alguns clientes em
casa. Inclusive eu. Ouço o ranger do pé da cama no assoalho, alguns suspiros e
gemidos, o ofegar desesperado de quem quer saciar as necessidades mais
primitivas, o choramingar de quem só quer uma companhia, de quem vive sozinho em
um mundo conectado. Ela é uma agente social. Salva da amargura seres que só se
relacionam através do dinheiro, que possuem uma dificuldade enorme em confiar
em si mesmos. Confiam no poder do papel. Lá está ela para acariciá-los,
elogiar, beijar, lamber, chupar, gritar, realizar fantasias, interpretar
personagens. Tudo por 150 reais a hora. Corpo de academia. Rosto de Brasil.
Pele de meio-dia na praia. </span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">Ninguém me liga. Mãe não conta. Ela me liga para falar das
dores. Da alma, peito, corpo. Diz que vai morrer cedo. Diz que meu pai não vale
nada e que a deixou com um filho criança para cuidar sozinha. Diz que as pernas
cheias de varizes doem cada dia mais, que as veias vão estourar a qualquer
momento. Não diz que me ama. Depois de papai, não amou mais nada. Ou pelo menos
não soube que amava, pois a existência dele a impedia de enxergar ou sentir
qualquer coisa que não fosse angústia. Voltaria para ele quando ele quisesse.
Nunca quis. E cresci nesse não querer. Meu nariz de batata é igual ao dele. Meu
cabelo, meus olhos, só a boca é dela. Ela olha para mim e talvez sinta ódio. Ou
não sinta nada. Mamãe é a única que me liga. Mas não liga muito para mim. </span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">No fim do corredor do sexto andar deste prédio em Copacabana
vive Dona Nelma. Após a morte do marido lhe sobraram a pensão e a vida que
nunca teve. Antes enfurnada no apartamento, (sobre)vivendo para ele, para a
comida que ele gostava, para a limpeza que ele apreciava, para o mau humor que
ele exalava, para a insônia que nunca cessava, jogou fora tudo que imaginava. Hoje
faz pilates, dança de salão e sexo. Cada atividade pelo menos uma vez na
semana. </span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEirIs8x6HP4InUVombzFWXsp1ltfx5Kg96DRJYWLI_pV-7c9X9NGFNCxs6rGarpdGV7R-ZL7PkWhweLR4d-RIMU9BfGK1EoR7EGFQeBQb50jIjzeskuIULdVU-GOOTXfvs3Fb6HwZ2RBz6g/s1600/alone.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEirIs8x6HP4InUVombzFWXsp1ltfx5Kg96DRJYWLI_pV-7c9X9NGFNCxs6rGarpdGV7R-ZL7PkWhweLR4d-RIMU9BfGK1EoR7EGFQeBQb50jIjzeskuIULdVU-GOOTXfvs3Fb6HwZ2RBz6g/s1600/alone.jpg" height="212" width="320" /></a></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">Na parede ao lado habitava um garoto de uns 21 anos. Veio
fugido do pai no Mato Grosso. Era gay e não podia ser. Manchava o nome da
família, dizia o pai. Não é meu filho, não pode ser. Não te criei pra isso. Não
isso. Não aquilo. Não. Não. Veio corrido para não causar mais problemas na
cidade onde morava. O pai bancou esse conjugado sem ventilação para se livrar
da vergonha. Para os amigos disse que tinha mandado o filho pra ser doutor.
Para si perguntava que sangue podre poderia ter contaminado o menino: o dele ou
da esposa? O garoto chorava por amar o pai. A mãe chorava por não ter força.
Queria o filho como ele era. Não pode, mulher! O que eu vou dizer pros outros? O
garoto partiu de repente, assim como tinha chegado. Sem alardes. Era discreto. Ninguém
mais o viu por aquelas bandas. Não houve despedida. Gostava de meninos? Sim.
Mas também de Beatles, geleia de morango com torrada, Milan Kundera e correr na
orla. </span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">Na porta da frente um drogadinho metido a traficante. Ao
lado a Dona Matilde, que cria 12 gatos. Abaixo de mim um gordo viciado em filme
pornô. Todos em um cubículo que mal cabe uma pessoa. São raros os que vivem com
mais alguém. Somos uma sociedade de solitários. Todos ligados pelo mesmo
encanamento. Nossos restos se misturam e tomam o mesmo destino. Os encontros
aconteciam no elevador, que fazia o mesmo trajeto e nos levava para planetas
tão distantes. </span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">Há dois dias eu sentia um cheiro estranho invadir o conjugado.
Cada vez mais forte. Não havia quem se prontificasse a verificar o que era, de
onde vinha, o porquê do cheiro. Acabamos nos acostumando a viver na merda
mesmo. Mais um pouco não faz diferença. No quinto dia de mau cheiro, acordo com
um estrondo bem perto de mim. A sensação era de que uma bomba havia atingido o
prédio. </span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">O conjugado ao lado foi arrombado pelos bombeiros. Meu sono
pesado e o Lexotan impediram de ouvir as sirenes, que agora ocupavam todo o
ambiente. Levaram o corpo do garoto de 21 anos. Ele estava lá todo esse tempo.
Não falaram para nós o motivo da morte. Morreu de esquecimento. </span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">Eu acordo, levanto, bebo água, volto a dormir, acordo,
levanto, como alguma coisa, deito, olho o teto, pego no sono, não sonho, não
ronco e ocupo apenas um canto da cama. Assim seguem os dias e noites, meio sem
sentido, em um compasso fora de ritmo, porém constante. </span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">Minha mãe me liga. Diz que sente saudade e que um dia virá
me visitar. De vez em quando ela fala isso, mas nunca vem. Melhor assim. Diz
também que meu pai ligou e perguntou por mim. Há 3 anos não falo com ele. Ela
reclama da aposentadoria. Os remédios aumentaram. O plano de saúde está pela
hora da morte. A carne está com um preço absurdo. Não dá pra comprar mais nada.
Eu apenas concordo fazendo um grunhido sem sentido. Esqueceu de falar das
varizes. No fim diz adeus. Antes de desligar: te amo. </span></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">Mamãe é a única que liga pra mim. Eu que não ligo pra nada.</span></div>
Ernesto Theodoro de Morais Juniorhttp://www.blogger.com/profile/11833005161328970968noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6619123176707739944.post-45633850905069667132014-11-28T16:06:00.002-08:002015-09-23T06:08:02.430-07:00PEDRO SILÊNCIO<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgYTqb7i_RNG2Zn5cDiOagbRjORGaDoDoeYUPq4-F4nDYduEWFJMeP5qwJYoawrT7R2CWixiAnv3rxJVCZAMUY68JI9ntPoguxkbQqnavRyZ2lnWLF9oRdEIRiRrp_MIYVTj0cUXC742f34/s1600/GAROTO+BOLA.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgYTqb7i_RNG2Zn5cDiOagbRjORGaDoDoeYUPq4-F4nDYduEWFJMeP5qwJYoawrT7R2CWixiAnv3rxJVCZAMUY68JI9ntPoguxkbQqnavRyZ2lnWLF9oRdEIRiRrp_MIYVTj0cUXC742f34/s1600/GAROTO+BOLA.jpg" width="284" /></a></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">Maria solta um último grito, de parcas forças. Maria
silêncio. Maria na cama. </span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">Pedro grita. </span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">Quem grita anuncia vida. Silêncio é coisa de quem parte.</span><br />
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">Pedro sem mãe. Sem pai. Sem chão.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">Dão de comer a Pedro. Ele mama. Não sabe por que mama. Quer
viver. Espanta a morte com o grito. Vive porque tem medo.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">Todo ele cresce. Tudo nele parece maior a cada dia. Cresce
de teimoso. </span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">Pedro é bom de bola. Pedro é bom de escola. Pedro é bom.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">Pedro cheio de sonhos. Mesmo que a Pedro não tenha sido ensinado
sonhar. </span><br />
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">Sonha, Pedro.</span><br />
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">Sabe que é difícil realizar. </span><br />
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">Quebra o muro, Pedro. É
preciso atravessar.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">Dribla a bola. Dribla a vida. Pedro é bom de bola. Pedro não
está na escola. Foge pra não te pegar. Dribla o tempo. Só não dribla a
história. Pedro é bom?</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">“Bandido bom, é bandido morto”. Pedro, preto, bandido? Morre,
Pedro.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">Vive, Pedro.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">- Quero viver. Vivo pra
seguir sonhando.</span><br />
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">Sonha mais que vive. Nada na escuridão. Alcança a borda pra
não se afogar. </span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">Vive, Pedro. Sobrevive.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">- Deixem-me viver!</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">O homem de farda não gosta de Pedro. Não gosta de preto.
Pedro, preto, pobre, bandido?</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">Pedro não sabe viver. Só aprendeu a sonhar. </span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">Deixa de sonho, Pedro. Isso vai te matar. </span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">A bola que rola, Pedro sabe driblar. Olha o homem de farda,
Pedro. Ele vai te matar.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">Pedro é preto. É pobre. </span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">Bandido? Bandido.</span><br />
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">Os homens vão te julgar. Não adianta, Pedro. Esse mundo é seu inimigo. </span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">Então corre, Pedro. Corre que o mundo vem aí e passa por cima.
Dribla a vida pra sobreviver. Dobra a esquina na contra-mão. </span><br />
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">"Pega ladrão!"</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">Corre e pá.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: Trebuchet MS, sans-serif;">Peito quente. Sangue escorrendo. </span></div>
<span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;">Pedro silêncio. Pedro no chão.</span><br />
<span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;"><br /></span>
<span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;">No Brasil, todos os anos, cerca de 30 mil jovens são assassinados. Desses, 77% são negros. Isso não é uma coincidência ou vitimização, é uma política de Estado.</span>Ernesto Theodoro de Morais Juniorhttp://www.blogger.com/profile/11833005161328970968noreply@blogger.com12tag:blogger.com,1999:blog-6619123176707739944.post-1188753361227767892014-11-05T11:34:00.001-08:002014-11-05T11:34:41.110-08:00O MEDO DE PERDER<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjzd_8VLOUriS0fitS0PlrZOefKTQ2yoEBsrg1B9g2XsFxxZ21Q-RnAgWDyMOLiaTetg2KAytZ_FNqchyphenhyphenVru2u11pbfx4R7NE4lmJygoCErYDu8M9R7L_ZIU2AGHQ_1yRVWTimBoKiKlKb1/s1600/Acidente-Malasia.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjzd_8VLOUriS0fitS0PlrZOefKTQ2yoEBsrg1B9g2XsFxxZ21Q-RnAgWDyMOLiaTetg2KAytZ_FNqchyphenhyphenVru2u11pbfx4R7NE4lmJygoCErYDu8M9R7L_ZIU2AGHQ_1yRVWTimBoKiKlKb1/s1600/Acidente-Malasia.jpg" height="180" width="320" /></a></div>
<div class="MsoNormal">
Não sei se chamaria o amor de sentimento ou uma capacidade
orgânica dos seres humanos. Amar é uma escolha, apesar de não se poder escolher
a quem vamos amar. A partir do momento em que nos abrimos a deixá-lo entrar pela
porta, sabemos que ele nos invadirá pela janela, pelas frestas, por caminhos que
nem mesmo nós sabíamos da existência. Quem entrará? Não importa. Ao se permitir
abrimos mão das escolhas. Há também os que optam por permanecer impávidos.
Estes não afeitos a arroubos, rompantes, dosam as sensações que permitem
passar. Não que este passe a ser um caminho mais fácil. Tampouco seria, pois
todas as tentações e desvios estão disponíveis ao alcance das mãos. A
vigilância permanente é a forma que encontram para não se sabotarem. Aliás,
sabotar-se é um ato inerente aos dois tipos. Cada um ao seu modo.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Sou desses que escolheram amar. Sofro e me delicio com as
consequências dessa posição. A dor é uma maneira de nos sentirmos vivos. Por
mais que tentemos ser altruístas, o que queremos de verdade é a reciprocidade.
Damos e queremos algo em troca. No desejo da correspondência acabamos moldando
o “eu” que apresentamos. Sendo assim, quase sempre somos uma versão melhorada
ou podada de nós mesmos. A começar pelos “perfis” de redes sociais, onde
montamos um universo ideal de nosso dia a dia, gostos, rotinas, pensamentos e
características. Transformar tudo aquilo em realidade é simplesmente irreal. Isto
também não deixa de ser amor. O medo de perder. A permanente inércia que teima
em não nos deixar mover, mudar. Se sabemos o que queremos ser, então por que
não mudamos? Medo, medo, medo. Medo do esquecimento. Antes disso, o medo da
solidão, que em nossos pesadelos se mostram carregados de um fim sem companhia.
</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Permaneço ao lado daqueles que seguem amando amar, pois não
sabem outra forma de viver. Mudei, é verdade. O que fui permanece sendo eu.
Tudo ainda sendo eu, pois está marcado nessa história que sigo escrevendo. Não
há chance de uma borracha apagar qualquer linha. </div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Já traí e fui traído. Posso dizer: trair foi pior. A
sensação de decepcionar as pessoas que você mais preza tem o poder de ferir e
permanecer latejando por anos. Perdoar-se é tão difícil quanto seguir em
frente. E uma coisa está diretamente ligada à outra.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
A ânsia por acumular experiências, parceiras, como se
travasse uma luta contra o tempo, que ia me engolindo e vencendo. Sentia-me em
uma dívida constante. Sempre travado em relação a tudo: conhecimento, sexo,
bens, viagens, vida. </div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Sofremos da saudade de quem perdemos o contato. Tentamos
suprir com abraços e afagos virtuais, que acabam por não suprir nada. A
correria a qual nos impusemos não só atrapalha, mas também trava. Quem nunca se
viu sem saber por onde (re)começar? O eterno desejo de ter controle e perceber
que na maior parte das vezes a sensação é que uma força maior nos controla e
direciona. Seria o amor?</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Algo muda em mim, no organismo e na alma, cada vez que vejo
meu avô dar um sorriso simplesmente porque a mulher que ama está sentada ao seu
lado. Ou quando meu pai chega em casa e seus olhos procuram por minha mãe. Percebo
que fizemos a mesma escolha. Optamos pela queda livre em um abismo que não se
vê o fundo. Chegaremos ao chão? Quando? Será que conseguiremos seguir vivendo
com o frio na barriga da incerteza? Pois foi a isso que nos dispusemos. Amar é
também se deixar perder e saber que ter vencido ao menos um dia já nos torna
alguém melhor. </div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Sempre vale a pena. Amar fere, mas constrói.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
05/11/2014</div>
<br />
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
Ernesto Theodoro de Morais Juniorhttp://www.blogger.com/profile/11833005161328970968noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6619123176707739944.post-21851859768853401412014-02-03T09:11:00.000-08:002015-09-22T20:43:53.960-07:00DOIS LADOS<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEih1Wd-16bCOX5AayySb84GLOL0AFbgWG_OOSdxvrdxVWMNEMlkqnu07EsndI6a0eMeC67WDKpK0nd0Gorxw1N1AjcR5qTQq3b3MJaNxU3bne6Yrp4FyCZNMzSEWsVKhLL8Nt6QS5byv_ez/s1600/amigos+separados.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEih1Wd-16bCOX5AayySb84GLOL0AFbgWG_OOSdxvrdxVWMNEMlkqnu07EsndI6a0eMeC67WDKpK0nd0Gorxw1N1AjcR5qTQq3b3MJaNxU3bne6Yrp4FyCZNMzSEWsVKhLL8Nt6QS5byv_ez/s1600/amigos+separados.jpg" /></a></div>
<br />
<span style="background-color: white; color: #37404e; font-family: 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 13px; line-height: 18px;">“Pra quê voltar se já sei o que não vou encontrar?” Abrir a porta do apartamento ao voltar do trabalho tinha sido seu pesadelo durante todo o dia. Ela não estaria mais lá. A despedida tinha acontecido naquela manhã, antes que ele saísse. “Nem teve a compaixão de partir quando eu não estivesse”, pensou. Melhor assim. Talvez pensasse que tudo continuaria igual, p</span><span class="text_exposed_show" style="background-color: white; color: #37404e; display: inline; font-family: 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 13px; line-height: 18px;">ois não teria havido despedida. O corte, a ruptura crua e clara era dolorosa, porém traria o alento da verdade. Encarar a realidade é melhor do que os prolongamentos angustiantes da ilusão.<br /><br />Marcelo não era o melhor homem com quem Luísa havia estado. Não se assemelhava nem a Alberto em seus melhores tempos, mas tinha no olhar um desejo por ela, que a fazia sentir quando aos 20 anos de idade, passava de propósito pelos corredores da faculdade em seus vestidos curtos de tecido leve e solto sobre a pele morena e sentia cada olhar masculino a desviar-se de qualquer tarefa para apreciá-la. Aqueles olhares apagavam a adolescência sem graça, quando ainda magra, só tinha a atenção de um homem que quisesse se aproximar de suas amigas. O amante agora a fazia sentir o eriçar de pêlos na nuca da juventude. Sua feminilidade reacendida pelo retorno da auto-apreciação.<br /><br />Alberto era solar, mas só via noite a sua frente. Lembrava do pedido de namoro. Pedido que ela recusou, mas que dois dias depois aceitou. Pensava no primeiro “eu te amo”, mesmo que hesitante, porém sincero, dito enquanto faziam sexo bêbados. A declaração teve que ser feita novamente no dia seguinte para que ela aceitasse o efeito. Não queria que parecesse tudo desculpa da bebida. Disse “eu te amo” a ele também e sentiu o coração acelerado enquanto o abraçava com a cabeça recostada sobre o peito dele.<br /><br />Luísa sentia uma mão tocar sua perna e pressionar levemente a coxa direita, um arrepio que vinha da base da coluna à nuca. De olhos fechados se permitia sentir aquilo sem quebrar qualquer encanto. As buzinas a estourar seus tímpanos a fizeram voltar. Estava dentro do carro. Sinal verde e ela a relembrar a tarde anterior.<br /><br />De tão só se perdia de si. Como um cego novato a tatear o mundo no escuro em busca de algo que reconheça. Sem rumo, reaprendendo a caminhar sozinho. Vivia com ela e para ela. Esquecera como tinha sido antes. Existia antes? Acomodou-se na tranqüilidade do matrimônio. Emprego estável, casa bonita e quitada, carro novo, mulher que amava. Tudo corria sem os sobressaltos da juventude. Alberto gozava a aposentadoria das aventuras aos 43 anos. Agora se perguntava onde o barco tinha mudado de percurso. Onde?<br /><br />Ele saiu do banheiro e veio se deitar. Luísa lia um livro de Martha Medeiros que ganhara da irmã. Ele se cobriu com o lençol, deu um beijo em sua cabeça e virou o corpo, como de costume, para a mesa de cabeceira. Ela veio por suas costas, passou a mão ainda gelada pelo ar-condicionado nas costas dele e se aproximou, como que para aquecer-se. Era seu homem. Estivera sempre ali e ela sabia que poderia contar sempre com ele. Alberto virou e delicadamente começou a beijar a esposa. Há duas semanas não faziam amor. O cansaço, um programa interessante na TV, a vontade de ler um livro, uma indisposição, um desencontro, a TPM, a menstruação. Motivos de um lado e de outro que de escasso, ao longo dos anos, viraram rotina. Nada que percebessem de imediato. Eram as circunstâncias. Algo no meio do sexo a fez estalar os dedos mentalmente. Como uma chave elétrica a desligar toda a energia da casa. Algo apagou e ela não sabia onde poderia reparar o defeito. Foram até o final sem que ele visse alguma mudança. Recostaram-se para dormir e ela permaneceu insone. Foram 5 meses até que ela aceitasse e tomasse alguma atitude, mesmo que naquela tranqüila noite, todas as luzes dentro dela já estivessem queimadas.<br /><br />Ele alimentou por anos a esperança de ser pai. Queria levar o filho aos jogos do Fluminense, queria ensiná-lo a andar de bicicleta, ajudá-lo no dever da escola, contar histórias antes de dormir. Não aconteceu. Se havia algum problema com ele ou ela, não quiseram saber. Jogar a culpa em um dos dois poderia ser o início de uma decepção velada, porém persistente.<br /><br />Foi ao ginecologista sem avisar o marido. Estava atrasada há duas semanas. Não quis contar antes para não criar expectativas. Dentro de si ela tinha certeza que residia o maior amor de sua vida. Grávida aos 39 anos. Pelos cálculos, Felipe nasceria em novembro, bem perto do aniversário da avó paterna. Sucumbiu com apenas 2 meses de gestação. Alberto nunca mais foi o mesmo.<br /><br />Ela não o alcançava mais. A perda tinha sido muito maior para ela, claro, mas sofreu em silêncio. Trabalhou mais, estudou espanhol, viajou para todos os congressos e simpósios que podia. Via o marido se afundar no próprio abismo, sem gosto, viço, descrente de tudo. Demorou a voltar ao normal.<br /><br />Era domingo e Alberto não estava na cama. Luísa estranhou a ausência dele. Levantou e seguiu os ruídos que vinham da cozinha. Ele preparava o café-da-manhã e sorriu abertamente ao ver a mulher ainda com os olhos inchados e a boca seca. O dia nublado daquele outono frio em Porto Alegre era iluminado por ele, que acordara de um pesadelo de 11 meses. Foi assim de um dia para o outro. Reacendeu.<br /><br />Luísa já não tinha mais as portas abertas. Existia amor nela, no entanto nada que o permitisse entrar novamente. Marcelo surgiu meio que por acaso. Malhavam na mesma academia. Trabalhavam perto. O encontro após o expediente era natural. Da sala de musculação para o motel, esse foi o caminho. Ela começou achando que seria apenas uma aventura para reviver um pouco do prazer próprio, da auto-estima. Se acostumou com as mentiras e passou a ser fria. Perceber-se indiferente à quase tudo a fez entrar no apartamento na noite de 18 de julho e dizer que partiria no dia seguinte. O marido, talvez em estado de choque, não reagiu. Ela ansiava por arroubos de desespero, uma briga antológica e uma reconciliação avassaladora. Teve o olhar perdido de um incrédulo.<br /><br />Viram-se 3 vezes mais apenas. Todas referentes ao divórcio. Alberto mudou-se para o Espírito Santo afim de nunca mais retornar à Porto Alegre. Luísa ficou mais 3 meses com Marcelo e só aos 50 conheceu o homem que a acompanharia até a morte. Aos 72 anos uma prima comentou quase sem querer que soubera da morte de Alberto. Ele voltara a viver em Porto Alegre, na casa que era de sua família, havia 2 anos. O semblante de Luísa mudou profundamente. Não soube descrever o que sentira.<br /><br />Sentiu saudade do café-da-manhã aos domingos.</span>Ernesto Theodoro de Morais Juniorhttp://www.blogger.com/profile/11833005161328970968noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6619123176707739944.post-60955293353279108232013-11-25T17:10:00.000-08:002013-11-25T17:10:08.771-08:00MELHORES AMIGAS<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEilIXITW2O6r4eIcXoZTNnviDJ0pRONwogwdxFQFmeTBVXfRKFevPZro0gFxl8mcnuMARxxDX7BjpqTq0SAnGfmAS9_j4V8GvUSpmKUy-JM_-5P2xcV1X_FaeRQw1QGQlXX0YxPs4Zb68Y3/s1600/Triangulo-Amoroso.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="200" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEilIXITW2O6r4eIcXoZTNnviDJ0pRONwogwdxFQFmeTBVXfRKFevPZro0gFxl8mcnuMARxxDX7BjpqTq0SAnGfmAS9_j4V8GvUSpmKUy-JM_-5P2xcV1X_FaeRQw1QGQlXX0YxPs4Zb68Y3/s320/Triangulo-Amoroso.jpg" width="320" /></a></div>
Por Ernesto Xavier<br />
<br />
<div class="MsoNormal">
- Eu vou pedir um café, ta bom?</div>
<div class="MsoNormal">
-Vou querer um também.</div>
<div class="MsoNormal">
- Dois cafés, por favor.</div>
<div class="MsoNormal">
- Você pega o café pra mim? Vou ao banheiro rapidinho. </div>
<div class="MsoNormal">
Ele sai. Vai até o banheiro, lava o rosto e fica um tempo se
olhando. Acha-se um homem de sorte. Começou um novo relacionamento há 2 meses
com uma mulher linda de 27 anos, arquiteta bem sucedida. Ele, dois anos mais
velho, advogado, trabalha para uma empresa com filiais em quase todo o país,
viaja bastante, conhece meio mundo e se considera estável. Namorou por 4 anos
Milena, que estagiou com ele em um escritório no Centro do Rio. Chegaram a
ficar noivos e quando ele se sentiu pressionado a casar, fugiu. Considerava-se
novo, despreparado para tal, ainda querendo viver a solteirice. Foi ficando
frio, distante, até que terminou. Após um ano solteiro, curtindo festas em São
Paulo, Rio, Bahia, Brasília, gastando todo o salário em noitadas, conheceu
Letícia, a atual namorada. De cara percebeu que seria algo diferente. Pela
primeira vez após tanto tempo entrou em contato com alguém após conhecê-la em
uma festa. Antes procurava não manter qualquer vínculo. Foi difícil conquistar
a atenção dela. Letícia ou Lelê demorava a retornar as ligações, muitas vezes
não respondia mensagens, recusava alguns convites para sair, alegando que
estava estudando para um concurso importante. Isso o deixou louco. Queria
entender porque ela era assim. A
dificuldade o prendeu. Quando menos esperava, estava fisgado, de quatro por
ela. Uma mulher que o fazia querer se superar sempre. Tentava fazê-la rir, ser
carinhoso sem ser pegajoso, ter um bom papo, não parecer um ogro, ver menos
jogos do Fluminense, fazê-la gozar antes dele, ouvi-la, se vestir bem...</div>
<div class="MsoNormal">
Agora seca o rosto e sai do banheiro. Ao olhar para a mesa
vê a namorada conversando entusiasmadamente com outra mulher. </div>
<div class="MsoNormal">
- Olha só quem eu acabei de conhecer: Milena.</div>
<div class="MsoNormal">
- Oi, Marcelo. Quanto tempo! Tudo bem?</div>
<div class="MsoNormal">
Ele completamente desnorteado, sem saber o que dizer,
responde:</div>
<div class="MsoNormal">
-Tudo. O café chegou?</div>
<div class="MsoNormal">
-Tá aqui, Celo. – responde a namorada – Eu a reconheci na
hora. Já tinha visto em umas fotos no facebook da sua irmã. Milena, você é
muito mais bonita pessoalmente.</div>
<div class="MsoNormal">
- Bondade sua. Eu que tenho que dizer isso. O Celo tem mesmo
bom gosto. </div>
<div class="MsoNormal">
- Eu tava aqui falando com ela e a convidei pra sentar com a
gente.</div>
<div class="MsoNormal">
- Mas a gente já não estava de saída? – disse suando frio.</div>
<div class="MsoNormal">
- Qual o problema da gente ficar um pouco mais? O papo tá
tão bom. </div>
<div class="MsoNormal">
Ficaram mais uma hora no restaurante. Ele praticamente mudo,
respondia “sim”, “não”, “talvez”. Elas em conversa com intimidade de amigas de
infância praticamente ignoravam a presença dele na mesa. Se não tivesse avisado
que iria novamente ao banheiro, talvez nem tivessem visto que se levantou. O
desespero por ver aquele encontro se dava por não querer ter sua intimidade
exposta. À sua frente estavam duas histórias que agora se cruzavam e muito
delas dizia respeito a si. Não só assuntos de alcova, mas também manias,
imperfeições e deslizes. Uma tinha muito material a expor, enquanto a outra
deveria ter suas impressões, boas ou ruins, que poderiam ser confirmadas ou
detonadas pela ex. Sabia que tinha sido covarde em muitos momentos com a
primeira e fazer com que a segunda soubesse disso e desse crédito, poderia
arruinar um castelo que ele começava a erguer. </div>
<div class="MsoNormal">
Ao voltar do banheiro viu que elas agora tinham feições mais
sérias. Aproximou-se e elas encerraram o assunto.</div>
<div class="MsoNormal">
-Vamos indo, Marcelo?</div>
<div class="MsoNormal">
-Vamos. </div>
<div class="MsoNormal">
-Bom te ver, Marcelo. Adorei te conhecer, Milena.</div>
<div class="MsoNormal">
Despediram-se. Foram para a casa dela. Milena seguiu seu
caminho.</div>
<div class="MsoNormal">
-Nossa...parecia que a gente já se conhecia há muito tempo.</div>
<div class="MsoNormal">
-É. Ela é assim: se dá com todo mundo, cria intimidade
rápido.</div>
<div class="MsoNormal">
-Achei super natural. Nada forçado. Aliás, as coisas que
você me falava dela não são verdade.</div>
<div class="MsoNormal">
-Que coisas?</div>
<div class="MsoNormal">
-Agora vai se fazer de desentendido? Você dizia que ela
ainda era louca por você, que te procurava, mas você dizia que não queria mais
nada, que ela era pegajosa, ciumenta...</div>
<div class="MsoNormal">
-Eu não falei com esse peso todo, nesse tom. </div>
<div class="MsoNormal">
-Pode não ter falado assim, mas foi a impressão que me
passou. E ela me pareceu bem tranqüila, falou super bem de você...</div>
<div class="MsoNormal">
-Falou? O que?</div>
<div class="MsoNormal">
-Ai, to cansada. Queria dormir sozinha hoje. Você não fica
chateado?</div>
<div class="MsoNormal">
-Não, mas... O que foi que ela disse?</div>
<div class="MsoNormal">
-Nada demais. Depois a gente fala disso, ta? </div>
<div class="MsoNormal">
Ele partiu com mil
perguntas entrando e saindo de sua cabeça. Dormiu mal aquela noite. Sonhou com
Letícia tentando enforcá-lo, enquanto Milena observava de perto e ria. Acordou
arfando. Esperou dar 11h da manhã para ligar para a ex-namorada. Sabia que em
um domingo esse seria o mínimo para encontrá-la acordada. A lembrança dela
acordando com seus grandes olhos pretos ainda inchados e a boca de lábios finos
que abria subitamente em bocejo o fizeram sentir saudade. Muito dela ainda
permanecia nele. </div>
<div class="MsoNormal">
-Milena?</div>
<div class="MsoNormal">
-Oi, Celo. Ta tudo bem? Aconteceu alguma coisa?</div>
<div class="MsoNormal">
-Ainda não. É que foi meio estranho aquele encontro ontem,
não foi?</div>
<div class="MsoNormal">
-Foi diferente. Me surpreendi com a sua namorada. Gostei
muito dela.</div>
<div class="MsoNormal">
-Ela é legal mesmo. Mas...vocês falaram de mim?</div>
<div class="MsoNormal">
-Sim. Por que?</div>
<div class="MsoNormal">
-Eu sei que você ficou chateada quando terminei contigo. É
que eu agora estou entrando em um relacionamento novo e tenho medo do meu
passado estragar tudo.</div>
<div class="MsoNormal">
- Você acha que eu quero te prejudicar? Nunca faria isso.
Você me fez muito mal sim. Mas passou, cresci. Eu me tornei mulher ao seu lado.
Tenho também muito a te agradecer. Você foi um cara paciente, companheiro.
Depois quis outras coisas. Hoje eu entendo isso.</div>
<div class="MsoNormal">
-Desculpa.</div>
<div class="MsoNormal">
-Não precisa disso. Vou ter que desligar. Tenho que sair
agora.</div>
<div class="MsoNormal">
-Cedo assim? Ta de namorado novo também?</div>
<div class="MsoNormal">
-Não. Vou encontrar a sua.</div>
<div class="MsoNormal">
-Como assim: a minha?</div>
<div class="MsoNormal">
Viraram amigas de verdade. Foram madrinhas de casamento uma
da outra. Nenhuma casou com Marcelo. O namoro com Letícia ainda durou mais 4
meses, totalizando 6. Eram muito diferentes. Chegou uma hora que as
incompatibilidades ficaram expostas. O personagem que ele criou no início não
se sustentou por tanto tempo. Não dá. Era um cara legal, dizia Lelê, só não era
pra ela. </div>
<div class="MsoNormal">
Um ano depois do término foi com amigos ao mesmo restaurante
onde o encontro das novas amigas aconteceu. Lá estava Letícia sentada em uma
mesa, tomando um chá.</div>
<div class="MsoNormal">
-Sozinha?</div>
<div class="MsoNormal">
-Não. Vim com uma amiga.</div>
<div class="MsoNormal">
Milena vem do banheiro. Ele a cumprimenta e volta para a
mesa dos amigos. No caminho de casa pensou em quanto deixou para trás. De
alguma forma tinha feito bem à vida daquelas duas mulheres com quem ele um dia
havia feito planos. Planos estes que não se concretizaram. Quantos se perdem
pelo caminho? Ele já não gastava todo seu dinheiro em noitadas. Pensava com
mais responsabilidade sobre a vida que queria seguir. Seria a crise dos 30?
Desejou a felicidade para aquelas duas mulheres. E ela viria, com certeza. Ele
sabia que um dia encontraria alguém que dividiria intimidades com ele. Seriam
companheiros.</div>
<div class="MsoNormal">
O que elas tinham
deixado nele era a semente para o nascimento de um homem. </div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
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<div class="MsoNormal">
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<div class="MsoNormal">
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<div class="MsoNormal">
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Ernesto Theodoro de Morais Juniorhttp://www.blogger.com/profile/11833005161328970968noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6619123176707739944.post-92044643865913103232013-11-22T05:22:00.000-08:002013-11-22T05:22:12.062-08:00ANTES DAQUELES DIAS <div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgm_UDry5P3ugVyHM9hxvuK9PBMQcnIiL5benCxxl4gLtlpft4X0Qq5CjV0OsIi6r-XT0V99zn5gQt_ia_f86giSNRW5asTlARcjLurW75p-HbXebV20D5Z3M6EsDM58sjz-DqkkSh7aq76/s1600/IMG_20130909_102404.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgm_UDry5P3ugVyHM9hxvuK9PBMQcnIiL5benCxxl4gLtlpft4X0Qq5CjV0OsIi6r-XT0V99zn5gQt_ia_f86giSNRW5asTlARcjLurW75p-HbXebV20D5Z3M6EsDM58sjz-DqkkSh7aq76/s320/IMG_20130909_102404.jpg" width="320" /></a></div>
<div class="MsoNormal">
Por Ernesto Xavier</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Era sábado. O dia amanhecera com uma chuva fina persistente
e a temperatura do lado de fora do apartamento beirava os 20 graus. Paloma
acordou por volta de 11h30 da manhã. Tinha ficado até 2h30 conversando por
Skype com o “não sabe definir o que”, que as amigas dizem ser seu namorado, mas
que ela prefere não rotular, pois tem medo de perder o encanto quando definir
alguma coisa. Na verdade, a distância que os separa a impede de dar passos mais
largos. Já sofreu em outros momentos, mas a situação em que se encontra é
diferente agora. </div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
- Como você quer que eu conte? “Oi, família, estou namorando
um cara de São Paulo e ele virá aqui no próximo final de semana para ser
apresentado a vocês”. Acha que é assim?</div>
<div class="MsoNormal">
-Sim. Por que não?</div>
<div class="MsoNormal">
-Por que não é assim que as coisas funcionam na minha casa.
Ou você esqueceu o que já fez comigo? Acha que eles não sabem de nada? Eu
amenizei a história pra não te queimar tanto, mas era impossível esconder deles
que alguém tinha me feito mal. </div>
<div class="MsoNormal">
-Tá bom. Eu sei que vou ter que carregar isso pra sempre.</div>
<div class="MsoNormal">
-Vai. Se quiser ficar comigo, sim. </div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
O papo durante a madrugada tinha começado tenso, mas depois
se entenderam como sempre acontecia. Tinham a feliz capacidade de acertar os
ponteiros conversando. Ambos gostavam de falar e levavam isso a um grau
diferente de outros casais. Eram cúmplices e amantes. Não eram “amigos com
benefícios” e deixavam isso bem claro. Estavam juntos, mesmo que separados na
imensidão de uma estrada ou ponte-aérea que ocorria tão poucas vezes. Se
falavam muitas vezes ao dia. Sempre com assunto, que parecia nunca terminar. Um
puxava outro, que puxava outro, que puxava...e horas se passavam. </div>
<div class="MsoNormal">
As gotas de água que caiam sobre a caixa do ar-condicionado
do seu quarto, bem abaixo da janela, faziam um tilintar que a despertou.
Demorava um pouco até entender onde estava, quem era, o que tinha que fazer...
Acordar fazia parte de um processo que requeria tempo. Pegou o celular para ver
se tinha alguma mensagem dele. Nada. Desceu para o primeiro andar. Não
costumava tomar café-da-manhã, mas naquele dia tinha uma fome incomum. Enquanto
comia, a mãe passou por ela.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
-É por isso que está engordando.</div>
<div class="MsoNormal">
-Bom dia pra você também, mãe.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Largou tudo na mesa e subiu para o quarto. A mãe foi atrás.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
-Está com algum problema?</div>
<div class="MsoNormal">
-Mãe, eu não to afim de conversar, ta bom?</div>
<div class="MsoNormal">
-Eu te vejo se empanturrando de comida e não quer que eu
fale nada. Pode comer o que quiser, mas depois não vem reclamar, dizendo isso e
aquilo.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Segurou a boca para não responder mal a mãe. </div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
-Me deixa sozinha, por favor. Já disse que não to a fim de
conversar. Pode respeitar?</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Fechou a porta.</div>
<div class="MsoNormal">
Sentia uma vontade enorme de chorar, mas não queria
demonstrar fraqueza, mesmo que estivesse sozinha naquele momento. Era como se
uma bolha de ar comprimisse seu peito e quisesse subir pela garganta. Pegou o
celular e ligou.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
- Alô.</div>
<div class="MsoNormal">
-Tá vivo?</div>
<div class="MsoNormal">
-Bom dia.</div>
<div class="MsoNormal">
-Esqueceu que eu existo?</div>
<div class="MsoNormal">
-Não. Eu já ia te ligar.</div>
<div class="MsoNormal">
-Ia, mas não foi. </div>
<div class="MsoNormal">
- Desculpa. Eu tava terminando um trabalho e já ia te mandar
uma mensagem.</div>
<div class="MsoNormal">
-Sei. </div>
<div class="MsoNormal">
- Vai se estressar só por isso?</div>
<div class="MsoNormal">
- Só por isso? Você me esquece, não fala comigo, coloca um
monte de prioridades na minha frente e ainda acha que o motivo é pequeno?
Obrigado! </div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Ele se segurou o quanto pôde e soltou: “Você está de TPM?”.
Sabia que fazer esta pergunta seria motivo para uma briga sem precedentes. A
frase saiu quase sem querer. Quis retornar as palavras para a boca, mas estas
já tinham atravessado os meios eletrônicos até alcançá-la a mais de 430 km dali.
Um no Rio o outro em São Paulo. Ela desligou o telefone imediatamente. Ele
tentou retornar as ligações e ela ignorava. Ele sabia o tamanho da encrenca que
tinha criado. “Nunca faça essa pergunta a uma mulher, por mais irritada ou
errada que ela esteja”, disse sua irmã em tom de aconselhamento para toda a
vida. Ele não aprendeu. </div>
<div class="MsoNormal">
À noite ela retornou as ligações. Chorava.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
-Você sabe que eu to me sentindo feia, gorda, minha
auto-estima ta lá embaixo. Eu me olho no espelho e não me reconheço. To parada
no tempo, sem trabalho, sem motivação. Quando eu mais quero você por perto eu
não posso ter. Quando a gente se encontra, tenho que relevar um monte de
coisas, porque não quero ficar brigando no pouco tempo que temos juntos. Você
sabe o dobrado que tenho que passar pra te ver. Custa ter um pouco de
compreensão? É tão difícil assim? </div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Os hormônios agiam sobre ela? Sim. Porém cada conclusão
vinha carregada de verdades que ela guardava por querer manter a harmonia entre
eles. Não podia segurar tudo e sabia que algum deslize poderia jogar tudo o que
tinham fora. Viviam caminhando sobre uma linha tênue, mas algo os prendia. </div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
-Desculpa. Eu fui displicente contigo. </div>
<div class="MsoNormal">
Ela ficou um tempo em silêncio e ele tornou a falar.</div>
<div class="MsoNormal">
-Já disse que você fica linda quando chora? Não estou te
vendo agora, mas sei bem como é. Me dá mais vontade ainda de te dar um cheiro. </div>
<div class="MsoNormal">
-Aham. To com a cara toda inchada, descabelada. Muito linda
que eu estou.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Ela já falava com um sorriso no rosto e se entregava aos
poucos a ele.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
- Eu quis mandar flores pra sua casa, mas ia ficar
complicado pra você explicar a eles quem tinha enviado. Então vai no meu
facebook, por favor. Coloquei uma foto privada só entre nós dois. </div>
<div class="MsoNormal">
Lá estava ele com seu sorriso largo característico e um
buquê de rosas colombianas. Ela ria e chorava ao mesmo tempo. </div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
-Olha só. Hoje comi uma barra inteira de chocolate por sua
causa. Se eu ficar gorda de verdade, você vai ter que me aturar mesmo assim, ta
bom? </div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
Não era TPM, era saudade. </div>
Ernesto Theodoro de Morais Juniorhttp://www.blogger.com/profile/11833005161328970968noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-6619123176707739944.post-65207891701719415682013-11-04T17:02:00.003-08:002013-11-04T17:34:34.756-08:00A CARTA<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 11.0pt;"><br /></span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjjczMTkWhfLOKNG-NGevvXC3kbyLtkQ5pSuNKJYkMISW9xIVl6DSiKH0FXxchPVUqzDy7TCs1XGbVTfHTKvsHKmd4y8PFwApAFfnZoIJvZz_vliAK1C0yBjcgda6VyZvJQoX-8_D2qGlHS/s1600/carta.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="240" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjjczMTkWhfLOKNG-NGevvXC3kbyLtkQ5pSuNKJYkMISW9xIVl6DSiKH0FXxchPVUqzDy7TCs1XGbVTfHTKvsHKmd4y8PFwApAFfnZoIJvZz_vliAK1C0yBjcgda6VyZvJQoX-8_D2qGlHS/s320/carta.jpg" width="320" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 11.0pt;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 11.0pt;">Por Ernesto Xavier</span><br />
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 11.0pt;"><br /></span>
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 11.0pt;">14/01/01<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 11.0pt;">Existe um momento na
vida em que todo ser humano pensa na morte. É algo normal. Todo mundo sabe que
nasceu um dia, não lembra desse dia, é claro, mas sabe que aconteceu. E também
sabe que um dia vai morrer. Pode ser qualquer dia, mas vai acontecer. O que
chamamos de vida é este curto espaço de tempo que existe entre a vida e a
morte. Isso é óbvio! Todo mundo sabe disso. Mas de tão óbvio acabamos
esquecendo. E às vezes ficamos surpresos quando já estamos velhos e temos
certeza de que a morte está realmente próxima. Dá para perceber quando aquelas
doenças chatas chegam. Não que eu seja um cara velho, coisa e tal. Sou novo.
Até bastante. Mas o suficiente para já ter observado bastante gente e visto que
o que estou falando é de verdade. Tenho 17 anos e nada de tão extraordinário
aconteceu nesse tempo. Também não possuo nenhuma doença grave que possa levar
alguém a pensar que estou escrevendo uma carta de despedida ou algo assim. Só
que de vez em quando me bate uma tristeza danada e só quando passo isso para o
papel é que aquele sentimento parece sair de mim. Não sai totalmente. Ele volta
depois de um tempo. Mas pelo menos dá um alívio momentâneo. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 11.0pt;">Sou o tipo de cara
que pensa toda hora na droga da minha vida. Às vezes acho que penso mais nela
do que a vivo propriamente dizendo. Mas é algo que não consigo evitar. Quando
vejo estou parado que nem um idiota olhando para o nada e viajando na minha
história. Fantasio situações que poderiam acontecer comigo. Normalmente são
coisas que eu desejaria fazer e não tenho coragem. Como falar pra Luísa que sou
apaixonado por ela e não quero só ser seu amigo? Tenho um medo danado dela não
querer nem olhar mais na minha cara. Eu adoro a companhia dela. Só de estar do
lado já me faz bem pacas. Nós somos capazes de passar umas cinco horas
conversando direto sem cansar. Falamos de tudo. Da nossa infância. Da família.
Das coisas que acontecem no colégio(nós somos colegas de classe). Sobre o
futuro. Ela sabe mais de mim do que meus pais. Só não tem idéia do quanto gosto
dela. Só sabe como amigo. Nós vivemos grudados. Os caras da turma falam que ou
eu sou uma bicha ou estou gamado na garota e sou um covarde que não tem coragem
de falar com a mulher. Os caras não me entendem. E se ela achar que eu traí a
confiança dela? Que fiquei me aproveitando da amizade para saber de segredos ou
coisas assim? Eu não fiz isso, mas ela pode pensar que sim. Sou amigo dela com
sinceridade e não tenho motivos para querer qualquer mal pra Luísa.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 11.0pt;">Eu sou um cara
descolado. Gosto de falar alto, me divertir sem me preocupar com as
conseqüências e tenho uma certa popularidade com os amigos. Tiro boas notas no
colégio. Menos em física e química. Não sei pra quê aquilo tudo serve. Depois
que acabar o 3º ano nunca mais vou ver nada disso. Só isso me consola. Acabar
logo esse ano e nunca mais ter que estudar nem química, física ou coisa
parecida. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 11.0pt;">Mesmo não sendo um
cara que possa se considerar tímido, quando estou com a Lu (é assim que a
chamo) não me vem a coragem necessária pra dizer uma só palavra a respeito de
namoro. Falo até de relacionamentos que já tive, e foram muitos, mas nada de
ter culhão pra abrir a boca e me declarar pra ela e tirar esse peso que me
acompanha.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 11.0pt;">Foi exatamente por
causa da Lu que comecei a pensar na morte pela última vez e me bateu essa
tristeza tremenda que me fez escrever essa carta, que não tem destinatário. É
só uma forma de terapia. Não se assustem. Não quero me matar por causa dela,
nem por nenhuma outra coisa. Mas me bateu uma tristeza quando cheguei a
conclusão de que poderia passar minha vida inteira pensando na Lu e não
conseguir falar nada pra ela. Eu ia passar minha vida toda sem saber o que é
amar alguém e ser correspondido. Eu sei que isso parece coisa de bicha, só que
quando percebi já tinha parado um tempão e pensado essas drogas todas. Esse
desgaste emocional todo me dá um fome danada. Abri a geladeira e não vi nada de
interessante. Foi quando essa droga de pensamento veio de novo e comecei a
achar que de repente essa coisa de amar não era algo pra um cara como eu. Sou
muito largado com as mulheres. Menos com a Lu. Ela diz que é a única mulher no
mundo que me conhece de verdade. Que sou durão com as pessoas só pra manter
minha fama. Pode até ser verdade. Mas ver aqueles moleques das séries menores
puxando o meu saco me fazem sentir o máximo. Eu gosto disso. Quem não gosta?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 11.0pt;">Quando eu era mais
moleque e estudava nesse colégio, aliás, sempre estudei nesse lugar (conheço
cada funcionário), eu admirava um cara do 2º ano que tinha muita popularidade
com as garotas. O cara era bonito pra caramba, na verdade nem sei, acho que ele
fazia o tipo que elas gostavam: burro e atlético. O cara tinha tanta nota
vermelha no boletim que teve que sair do colégio antes do ano acabar pra não
ser reprovado. Acabou indo pra um mais fraco e recuperar as notas. Falou que
não se adaptou aos métodos da escola. Era burro mesmo. Mas o cara tinha um
jeito com as garotas inconfundível. Parece que ele ficava o dia todo penteando
aquela merda de cabelo. Nunca vi nada tão liso na vida. Ele andava como se
estivesse gingando sempre e olhava no olho das garotas. Elas não resistiam.
Passei a observar esse jeito dele e quis imitá-lo. Hoje faço tudo igual. Até
que consigo um número razoável de meninas. Faço mais sucesso com as mais novas.
Nem tão novas, senão pega mal pra mim. Mas o que importa é que esses truques
não funcionam com a Lu. Ela é diferente dessas garotas. Ela é inteligente e de
certa forma madura. Ela costuma cuidar do irmão mais novo quando o pai viaja.
Ela não tem mais mãe. Na verdade tem, mas fugiu ela não sabe pra onde quando
ela tinha uns sete anos. Ela já perguntou mil vezes para o pai por que a mãe
fugiu e ele simplesmente fala “não sei”. Deve saber e esconde.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 11.0pt;">O negócio é que tenho
uma pena danada dela. O pai é um cara legal, mas trabalha numa firma de
petróleo e fica quinze dias no mar e quinze na terra. Ela acaba ficando só com
o irmão grande parte do tempo. O cara ganha bem, mas aposto que ela preferia
que ele ganhasse menos e tivesse uma presença maior em casa. O irmão tem 12
anos e está na idade que todo garoto precisa de um homem pra falar certas
coisas que só um homem vai saber dizer. Sabe? Aquelas coisas... Eu às vezes
fico lá batendo papo com ele. Ele se amarra. Me tem como um irmão. Nós temos
bastante tempo pra conversar porque a Lu demora horas pra se arrumar. Quando eu
marco um cinema eu a engano e falo que a sessão é uma hora antes do horário
original. Se não fosse assim nós sempre perderíamos o filme e acabaríamos
voltando pra casa com o rabo entre as pernas. Eu tento falar sobre garotas,
futebol e escola com o Marco, irmão da Lu, mas eu tenho só 17 anos. Não sei
tanto da vida. Não tenho tanta coisa pra passar pra ele. Enfim, faço o que
posso.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 11.0pt;">A Lu possui uma
beleza que acho que só eu consigo decifrar. Que ela é bonita todo mundo vê. Mas
só eu sei segredos da beleza dela que nem ela deve perceber. Como ela morde os
lábios inferiores de leve quando está sem graça. Ou quando ela franze a testa
quando falo alguma besteira. Ou as duas covinhas na bochecha, que só aparecem
quando ela sorri bem largo. Ou o cabelo que teima em cair no rosto e que ela
joga pra trás das orelhas e que torna a cair. Ou o cheiro do shampoo que ela
usa, o perfume, a voz fina e rouca. São tantas coisas que até me descontrolo e
saio de si. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 11.0pt;">Nunca senti nada
demais por garota nenhuma, só aquelas paixonites de pré-adolescência. Isso não
conta. Depois de um tempo a gente olha pra essas garotas e vê como éramos
idiotas em gostar de pessoas tão fúteis e sem conteúdo. Talvez por levar essa
imagem na mente, nunca tenha me envolvido de verdade com ninguém nesse tempo
todo. Só coisas breves, que duravam de um noite a um mês no máximo. Nada que
envolvesse coração. Com ela foi inevitável. Quando percebi já estava caído e
não tinha como voltar atrás. Às vezes penso que ela também. Acontece de
pararmos nossa conversa sem nenhum motivo e ficarmos nos olhando durante um
tempo. Logo um dos dois resolve acabar com aquele clima e introduz algum
assunto qualquer que nem precisa ter motivo. O importante é acabar o
constrangimento. Pelo menos é assim que penso. Pode ser que ela apenas se
desligou do mundo e voltou de repente a si. Por essas e outras não tenho
coragem de falar nada. Ela me conhece nos mínimos detalhes e eu não consigo
decifrar seus códigos, seus pensamentos, seus desejos. É uma incógnita para
mim. Um ser impenetrável. Não que ela seja fria, muito pelo contrário. Mas
mulheres são assim mesmo. Difíceis de entender. Eu tenho uma irmã, mãe e avó
morando comigo em casa. Eu e meu pai somos os únicos homens da casa. Ele me diz
que não consegue entender minha mãe até hoje, mas que eles se dão bem assim
mesmo. Acho essa parada maneira. Os homens são mais superficiais, eu diria. As
mulheres são extremamente complexas. A começar pela parte biológica. Elas
menstruam, tem filhos, produzem leite, tem alterações hormonais a toda hora.
Elas se acham gordas e feias mesmo que todos a sua volta digam o contrário. Na
verdade acho que isso é charme.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 11.0pt;">A Lu é assim como as
mulheres lá de casa. Quando você acha que elas estão felizes, do nada começam a
chorar ou a gritar e se irritar por qualquer coisa. Acho que é disso que a
gente gosta. Dessa inconstância. São adoráveis ao jeito delas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 11.0pt;">Eu comecei falando da
morte e acabei entrando em outros assuntos. Na verdade está tudo relacionado.
Vida, morte, amor, conflitos. Tudo dentro de uma só palavra: tempo. Nada foge
ao tempo. Por isso estou escrevendo. Estou tentando parar o tempo. Segurá-lo em
algum lugar de onde ninguém possa libertá-lo. Fazer com que ele fique
registrado e que minha vida não seja apenas uma breve reunião de moléculas que
vagou aleatoriamente pelo universo sem que gerações futuras saibam. Algum dia
alguém pode descobrir isto aqui e vão saber que existi. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 11.0pt;">
<o:p></o:p></span></div>
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 11.0pt; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"> Ass. Eduardo Melo Freitas</span>Ernesto Theodoro de Morais Juniorhttp://www.blogger.com/profile/11833005161328970968noreply@blogger.com0