domingo, 28 de fevereiro de 2010

POEIRA ESTELAR


Já quis ser estrela e ver lá de cima a história do mundo se passar. E quando eu não existisse mais, o mundo ainda estaria vendo meu brilho por milhares de anos. E quando nem mais um rastro da minha luz fosse vista em qualquer canto do universo, restaria ainda na memória de alguém, o brilho de outrora. Mas isto seria covardia. Cada ser precisa protagonizar sua história.

A intenção da eternidade não pode estar ligada à materialidade e sim ao sentimento que deixamos nos corações das pessoas, que são como sementes em solo fértil. Só o bem é eterno. E assim vamos fazendo com que nossa existência valha a pena, tenha um sentido próprio.

O prazer de pensar em toda a vida que há pela frente pode de alguma forma nos transformar e, assim, fazer perceber que nem tudo está perdido. Este imediatismo que nos ronda diariamente faz da vida algo pesado. Eu me cobro a todo momento sobre um futuro incerto e vejo que no passado já fiz isso e de nada adiantou. Preocupações inúteis? Creio que não. É isso que nos faz seguir em frente. Quando tudo está calmo é que devemos nos preocupar.

Preciso do frio na barriga a cada dia, para me manter alerta, sábio dos riscos de colocar o pé fora da cama. Não é fácil acordar e pensar que mais um desafio deverá ser travado todos os instantes. Isso faz parte do grande jogo da vida. Poder decidir que caminho tomar é um privilégio. O livre arbítrio não pode ser um fardo e sim um presente, o maior que poderíamos receber.

Penso que dentro de mim pode habitar talvez um ser desconhecido. Aos poucos, durante a vida, outros eus vão se revelando, me modificando quase que por inteiro. O estranho é perceber que mesmo assim continuo o mesmo. Uma mutação que me faz igual.

Desta vida de incertezas creio levar apenas os sentimentos. O que permanecerá de mim na Terra serão sorrisos e lágrimas, estendidos pelos rostos alheios. A energia se dissipará pelo espaço, voltarei a ser poeira estelar, pedaço de uma explosão sem limites.


Imagem: CHAGALL, Marc.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

DESTINO


Sou feito de matérias desconhecidas, da reunião de moléculas em uma seqüência quase indecifrável, que faz de mim um ser único. Sei exatamente de onde vim, mas não faço idéia para onde estou indo. Vou descobrindo aos poucos meu destino, fazendo do passado o meu livro de histórias. Não sei se alguém se interessaria em lê-lo. É interessante até, mas ainda faltam muitas páginas a serem escritas. Não gostariam de ler uma obra inacabada.

O encantamento verdadeiro nunca cessa, mesmo que mude de intensidade. Algo que um dia foi admirado, jamais perderá totalmente a magia. O bom da vida é perceber que a oscilação de sentimentos faz parte do plano do lúdico e não da razão. Nunca se deixe levar pelo pragmatismo da vida adulta, creia nos seus sentimentos de infância, eles podem te trazer surpresas inimagináveis com o tempo. O que escrevo pode parecer sem sentido próprio, mas possui uma seqüência lógica simples e será de fácil entendimento para aqueles que acreditam no destino.

Fui buscando em meu livro imaginário por momentos marcantes que ajudaram a forjar o ser que sou hoje. Cada segundo tem sua importância, porém alguns fatos são preponderantes nas decisões de caminhos, sentimentos, respostas e perguntas. E lá no fundo fui visitar um mundo mágico, cheio de dúvidas e descobertas, onde a ansiedade, os hormônios, a inocência eram meus principais guias.

Sentia uma vergonha não sei de quê, uma inquietação não sei de onde, um amor não sei pra quem. Tudo muito confuso, indeterminado. E mesmo assim eu conseguia identificar um olhar diferente em meio à turbulência. Um sorriso em alegria de criança que era diferente de todos. Destino? Talvez. Só o tempo poderia dizer. E assim fui crescendo e deixando aquele olhar escondido lá no passado. Quem sabe algum dia poderia voltar a mirá-lo novamente...

Nunca perdi o olhar de vista, mas não o tinha mais por perto. Já não sabia quem era essa pessoa, o que sentia, quais eram seus anseios, suas angústias. Eu divagava sobre essas dúvidas e na certa errava ao julgar o que eu não tinha idéia do que era. Talvez isso tenha causado um afastamento estranho, sem motivos. Poderia ser um mecanismo de defesa pessoal, sei lá.

Mas a vida sempre volta ao ponto de onde partimos. Refazemos caminhos para que possamos aproveitar melhor a caminhada.

Um sorriso puro e sincero foi o suficiente para perceber que ali ainda estava quem eu conhecia. A mesma pessoa. Nada é capaz de apagar aquilo que vem carregado de verdade. Ninguém poderia me convencer de que seria possível tal reencontro. E foi. Sem a programação engessada dos tempos modernos, fui sendo levado pelas circunstâncias e mais do que isso: pela vida vivida.

Aquele olhar agora já fazia parte do mundo real. E nada poderia me desviar, tal qual uma cobra hipnotizada. Fui sonhando e vivendo, caminhando e sorrindo, admirando e sentindo. O destino estava fazendo seu papel: me mostrava que a vida surpreende por sua grandeza de possibilidades. Meus sentimentos de infância agora eram realidade adulta.

Tudo tem sua hora e forma de ser. Por mais que tentemos mandar, a natureza e o tempo são mais fortes do que qualquer pensamento em controlar os fatos. Não existe passado, presente ou futuro separados. É o tempo. Por isso o passado não ficou para trás, ele está me acompanhando e mostrando estar mais presente do que nunca.


Imagem: "The Kiss"(foto símbolo do fim da II Guerra Mundial)

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

QUASE TUDO ME EMOCIONA


Quase tudo me emociona. Fico impressionado com o mundo a cada instante. Ele me dá provas de que é um ser astuto, cheio de surpresas.

As nuances de um dia quente ou frio podem mudar meu humor de um jeito inimaginável. Posso parecer entusiasmado ou quieto a qualquer momento. Nada que assuste. Depende do que o mundo estiver a me oferecer.

Num emaranhado de arquivos no computador fui lendo aquilo que deixei no passado, sem publicação ou lembrança. Comecei a acompanhar pontuações de uma vida cheia de falas, pensamentos desconexos, mas que de alguma forma faziam sentido. Passei a me conhecer melhor olhando meus sentimentos com o ar superior de um observador externo. Minha biografia não autorizada e que somente eu tinha acesso.

Senti minha constante tentativa de entender as loucuras da vida, o porquê de tudo a minha volta, o porquê de mim.

Já fui mais ansioso, mais tenso. Talvez o tempo tenha me ensinado a separar frustração e decepção de medo. O temor pelo fracasso sempre me fez mais fraco, vulnerável. E como se quisesse me dizer algo, o tempo me mostrava que tudo tinha sua hora e intensidade. Algo novo pode acontecer a todo tempo. Basta estar atento para perceber o surgimento de oportunidades.

O medo me faz não seguir em frente em situações tão banais como iniciar um texto, sair de casa para resolver problemas do cotidiano ou pedir desculpas.

Orgulho maldito esse que me impede admitir aos outros o erro. Reconheço apenas para mim mesmo. É complicado falar ao mundo de nossos fracassos.

Assim como é tão complicado analisar a eficiência de nossas escolhas. Sempre fica a impressão de que poderia se escolher um outro caminho mais atraente. É mais fácil admirar o que não temos do que aproveitar aquilo que escolhemos para nós.

Desse jeito vou mentindo para mim, esquecendo daquilo que me machuca, sentindo ser o que nunca fui, porém sendo o de sempre. Não se pode viver da verdade a todo momento. O ser humano não está preparado para tudo o que mundo tem a lhe dizer.


Imagem: Vermeer, Johannes(Girl With a Pearl Ring)

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

SALINGER


Hoje li sobre Salinger e neste texto disseram que ele foi o inventor da adolescência como a conhecemos hoje. Eu diria que ele foi um dos maiores colaboradores para este conceito de época conturbada que reside entre a infância e a vida adulta. Outros autores como John Fante e Bukowski também contribuíram. Talvez pela verdadeira forma de expor as próprias chagas, mostrar ao mundo como é complicado não saber exatamente o que quer, o que é, o que quer ser.

Salinger foi um dos mais obscuros literatos de toda a história. Se refugiou em seu sítio em 1963 e de lá não mais saiu, não mais publicou. Me senti órfão no dia em que descobri já ter lido todos os seus livros. Por que ele não queria mais me contar suas histórias? Era uma forma de não me sentir sozinho no tempo e no espaço. Havia alguém no universo que me entendia perfeitamente e tinha coragem de explicar o que se passava. E parou.

Daí veio Fante e Bukowski e mais tarde Pedro Juan Gutierrez em minha vida. Todos sujos, pobres, sem medo de exporem as feridas abertas. Estes homens escrevem com as tripas. Sofrem a cada frase, mas sofreriam mais ainda sem elas. A escrita para mim tem o mesmo significado. Me fere, mas me mataria caso não saísse de mim. Escrevo também por prazer, no entanto principalmente por necessidade. As palavras me saem aos borbotões, ganham vida própria, às vezes até penso que não são minhas. E não são mesmo: pertencem ao mundo. Cada um faça seu julgamento sobre elas.

E talvez tenha sido esse o motivo da reclusão de Salinger. Aceitar o julgamento alheio era demais para ele. Avesso aos holofotes, ele sentiu na pele o que Caufield mais abominava: a opinião formada dos adultos, que sempre tinham algo a dizer sobre tudo e nunca diziam nada com nada. Ele foi Caufield a vida inteira, um desajustado e temos sorte por isso. Através de suas palavras, hoje temos o prazer de desfrutar de obras como “Nos embalos de sábado à noite”, “Juno”, “Albergue Espanhol”, “The Outsiders”, “Amèlie Poulain” e tantos outros.

Sem se despedir, agora Salinger foi viver em seu campo de centeio.

Postagens mais recentes Postagens mais antigas Página inicial

Copyright © Boletim Afrocarioca | Design: Agência Mocho