sexta-feira, 30 de abril de 2010

LABIRINTO


Perco-me facilmente dentro de meus próprios labirintos. Aqueles que criei para salvar a vida de uma linearidade angustiante. Agora procuro saídas complexas para caminhos simples. Cercado por paredes desconhecidas que me sufocam dentro de mim mesmo. Já não sei onde estou e para onde quero ir. Não sei se o que mais importa é o caminho ou o destino. Tento traçar planos, estratégias para fugir daquilo que é meu acompanhante e guia: o destino. Seria ele já traçado antes dos fatos?

Um facho de luz vem tocar a pele e assim faz acordar a dormência de minha alma. Uma alma frágil que carrega um corpo forte. Aos poucos o clima nublado de dias pesados vão se esvaindo e dando lugar ao esclarecimento. Mas ainda me encontro perdido dentro do labirinto. Ele faz parte de um realidade surreal, da flacidez de um espírito sólido. O mapa dessa história só será desenhado em remotas lembranças no futuro. A nostalgia irá informar quem fui. Só ela saberá de meus pesadelos, só ela cuidará dos meus pensamentos.

Um dia serei apenas saudade e histórias. O que tiver de mim espalhado por essa cidade serão apenas fragmentos do que fui realmente. Pelos olhos de uns o bem-feitor de histórias picantes, para outros o indiferente a tudo que o cercava. Nada poderá dizer com exatidão de detalhes aquilo que realmente fui e passei. Serei visto como um quebra-cabeças com peças faltando, até que o dia em que mais nada restará por contar. Estarei fadado ao esquecimento? Antes preciso achar a saída do labirinto. Para depois me perder novamente em outros caminhos tortuosos.


foto: SALGADO, Sebastião.

terça-feira, 27 de abril de 2010

DESPRETENSIOSO


Às vezes é bom ficar sozinho. Apesar de ter um sentido ambíguo, na verdade falo desta palavra em todos os seus sentidos. O agito das presenças em nossas vidas não nos permitem a reflexão. É necessária a ausência. A ausência do tudo associada ao preenchimento calmo e leve do nada.

Se permitir a despretensão. Poder apreciar o vazio daquilo que foi feito para ser simples, dando oportunidade para uma felicidade peculiar: a da auto-apreciação. Se divertir consigo. Tendo a companhia de um livro, filme, revista ou apenas o som contínuo do ventilador de teto. São prazeres insuperáveis da vida a “um”.

Gosto de caminhar pelas ruas do Rio de Janeiro e observar tipos, inventar histórias a partir de rostos novos. Imaginar o que se passa na cabeça de um estranho sem ter que manter contato com ele. A doce descoberta da imaginação.

O Rio é a cidade que nos permite chegar a estes pontos. Imaginar. Criar. Refletir. Concluir. Admirar, sorrir e seguir em frente. Saber que estamos no ponto mais belo do mundo e tratar isto como a coisa mais normal que existe. É normal ser carioca. É normal ser feliz sem saber porque andando pelo Rio de Janeiro. Estar envolto pelo belo nos traz bons fluídos. Por isso caminho sozinho, sem querer ser incomodado. Quero ter o egoísmo de guardar estes momentos só para mim. São meus momentos.

Sou capaz de perder um ônibus só porque vi alguém conhecido nele e não quero conversar com alguém. Permito-me o luxo de viajar só e desfrutar de pensamentos meus...pensamentos são individuais. Não nasceram para serem compartilhados simultaneamente. Só transmitimos aquilo que fica na superfície oca das palavras. A complexidade dos sentidos de nossos pensamentos ficam guardados para nós. Então me canso por ter que trocar superficialidades. Prefiro me omitir. Trivialidades me cansam.

Depois, inevitavelmente, as pessoas voltam a nossas vidas. Mas já estamos renovados. Tirar férias da raça humana faz bem à saúde.


(Texto antigo que recuperei)

segunda-feira, 12 de abril de 2010

REFAZENDO


Parte de mim quer mais. Outra parte nada quer. Coisas mínimas, mas de grande efeito para este corpo às vezes cansado da angústia. Diante da efemeridade que assola as paixões, de todos os tipos, vejo cada pedaço sendo jogado fora, aos poucos, para que não perceba a sua falta quando não estiver mais ali. Uma saída brusca pode causar traumas, reviravoltas, arrependimentos inúteis. Deixar o descartável para trás é uma arte.

Pequenos amores vão sendo descartados pelas calçadas. Acabam se juntando ao amontoado de lixo que vai entupindo bueiros pelas vielas. Até o que pensamos ser amizade some no ar, desvanece no espaço, vira pó ou evapora. Não são amizades, então.

E aquela saudade vai ficando lá dentro, gemendo baixinho, porém sem resmungar, pois não é dotada desses defeitos regados a ciúmes ou cobranças. Mas sofre. Uma nostalgia de tempos esquecidos. Relegados a algum espaço desconhecido do cérebro, onde a memória tem dificuldade de vasculhar. Auto defesa dessa cabeça cheia de pensamentos e histórias pra contar e por contar.

Amando, re-amando, relembrando, refazendo, calando, sofrendo pelo que ficou por dizer, pelas pessoas que foram sendo descartadas ou me descartando através do tempo. Sentimento sem nome, mas que faz doer. Sentimento sem forma, no entanto pesado como chumbo. Sentimento invisível, sorrateiro, instigante, sem pena. Vai arrancando pedaço por pedaço daquilo que guardei para não mais ver. Faz de mim uma criança indefesa, sem palavras para responder, sem lágrimas para expor meu pesar. Leva quase tudo. Pode levar. Ainda preservo o que tenho de essencial onde ninguém pode tocar.

Para parar de pensar nisso, transformo meu silêncio em música. Busco rimas bem resolvidas, melodias só ouvidas por aqueles que sabem escutar o som que vem do coração. Tento fazer da arte o meu refúgio, da escrita a minha companheira e da memória um aconchegante lar. Serei eternamente um amante nostálgico. Carrego comigo cada amizade, amor ou sentimento bom que queima no peito.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

LINDO MUNDO


As gotas batem na janela produzindo sons conhecidos, que vem invadir essa noite fria e calma. O vento uivoso atravessa pelo céu de nuvens baixas e vela meu sono. Não há um silêncio absoluto, apenas a natureza conversando baixinho. Entre o balançar das folhas das árvores vou ouvindo confidências deste mundo em prantos. Sou bom ouvinte. Aprendi com as flores a ser paciente. A esperar o momento certo.

A alterada Lua, escondida em mares de nuvens, se recosta sobre o cinza e lhe empresta um pouco de luz. Ela quer se aproximar do mundo, pois se sente solitária fazendo a guarda desta terra tão confusa. Hora bela, outra raivosa. Esta Lua que de tão feminina, oferece seu dom de proteção sem nada exigir em troca. É vaidosa pois escolheu a noite para expor sua beleza. Em dias de pouco sorriso como este, faz do escuro sua morada. Não quer conversa.

Este mundo, vasto mundo, mal dito pelos caminhos que dizem escolher. Coitado. Nada pode fazer...é um joguete nas mãos dos homens. Passivo eu não diria, pois reage quando necessário, porém incapaz de guardar mágoa, mesmo tendo motivos para isso. Ninguém pergunta para ele seus desejos. Ninguém ouve as angústias deste mundo, que já não quer falar mais, grita.

O chão lavado de tanta água, reflete estrelas, como se estivessem caídas, brilhando, neste mundo de cabeça pra baixo. A chuva se desfaz em rios que nunca terão nome. Amanhã já não existirão mais. Mas a história permanecerá forte na memória daqueles que provaram sua força.

Lindo mundo, vira mundo, cheio de rebeldia e surpresas. Hoje terrível, amanhã acolhedor.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

REFERÊNCIAS


Começo citando Pedro Juan Gutierrez:

"É totalmente humano, então, ser um ser nostalgico, e a única solução é aprender a conviver com a saudade. Talvez, para a nossa sorte, a saudade possa transformar-se, de algo depressivo e triste, numa pequena chispa que nos dispare para o novo, para entregar-nos a outro amor, a outra cidade, a outro tempo, que talvez seja melhor ou pior, não importa, mas que será diferente."

Para poder continuar...

Pela janela posso assistir ao balé das gotas espessas da chuva que caem e se movimentam ao bel prazer do vento. Assim como elas, também vou sendo jogado de um lado para o outro sem poder decidir onde ficarei. É claro que possuo força para mudar o curso, mas a correnteza às vezes é mais forte do que podemos suportar.

Tive que sair pelas ruas em meio ao vento, a chuva, caminhando com os pés no mato molhado. Nada disso me incomodou. Fui pensando na vida. E percebi que tenho muito mais pensado do que feito algo por ela. Vivo em tempos de cólera, como no livro de Garcia Márquez. Tempos difíceis de se entender, de aceitar. Não sou eu, mas o mundo que está em desatino, sendo sarcástico, cáustico com seus moradores.

O pensamento viaja para bem longe, onde os problemas que carrego talvez não possam alcançar. Tenho o corpo leve e liberto de qualquer influência negativa que possa atingi-lo.

“Muitos anos depois, defronte ao pelotão de fuzilamento, o coronel Aureliano Buendía teria lembrado daquela remota tarde em que seu pai o levara para conhecer o gelo." Assim como Aureliano Buendía busco algo de bom na lembrança que me faça esquecer a realidade diante dos olhos.

Sinto-me cansado. Durmo para poder sonhar. Sonho para me refugiar em lugares onde nunca estive. Minha alma é livre. Dá voltas no mundo em segundos. Queria ir junto.

-Me leva?- suplico.

-Calma. Você ainda vai comigo para tantos lugares.

-Mas aqui tem sido tão chato.

-Eu sei. Mesmo aqui, estou te acompanhando sempre.

-Então porque não me tira dessa?

-Por que ainda não é a hora.

Os dias tem caminhado lentamente, como se “Creep” do Radiohead fosse a trilha sonora do universo. Difícil mudar a faixa do disco. Parece que emperrou.

Posso tomar a liberdade de ser Gregor Samsa?, que “despertou uma manhã na sua cama de sonhos inquietos e viu-se metamorfoseado num monstruoso inseto". Não serei reconhecido e não me reconhecerei. Vou voar. Vou subir. Ver a Terra com outros olhos, sem a responsabilidade de responder as perguntas. Questionamentos meus. Respostas que não sei dar, vida que não sei explicar, sentido sem direção que não sei achar.

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