quarta-feira, 31 de março de 2010

MARCAS


Quero ler meus textos daqui a 10 anos. Observar como um leitor comum estas palavras tão significativas para mim hoje. Terei a oportunidade do distanciamento. Pode ser que eu ria e me veja como um idiota desesperado, temendo um futuro, que depois se mostrou tão diferente de todas as expectativas construídas anteriormente.

Nada pode tirar meu entusiasmo por um destino incerto. Sofrerei as conseqüências das angústias de outrora? Ou serei alguém mais forte, marcado pelas cicatrizes expostas no corpo? Entre uma luta e outra, vou vendo presente e futuro sendo construídos a partir de tropeços, topadas, corridas e escaladas. Sinto-me em uma pista de obstáculos, sem um mapa para me guiar, mal orientado pelas placas. Se o caminho que sigo me levará ao lugar que desejo não há como saber, porém sigo. Independo das desventuras que possam passar.

Não quero ser tachado de covarde. Tenho a coragem no sangue.

A sede da vontade que tenho pressiona o tempo que levo para saciá-la. Pela sincronia dos astros vou buscando soluções. Mas a força que faço para parecer, me tira a energia de ser. Assim revolto-me e jogo para os céus todos os rogos. Então sinto uma paz tomar conta do coração e vejo que as preocupações nada mais são do que saudade do que tive.

Neste futuro não tão distante poderei encontrar as resposta para os meus questionamentos presentes. Porém, talvez, quando chegar este momento, eu esteja preocupado com os questionamentos de então. As respostas já estarão intrínsecas. E este ser de hoje ficará sem uma palavra de consolo.

Não serei julgado, nenhuma palavra constará em minha sentença. As marcas na pele serão meu livro aberto. Somente elas poderão dizer quem fui e quem sou.

segunda-feira, 29 de março de 2010

CACOS


Deixei de catar os cacos no chão. Eles já não machucam mais meus pés e não me incomoda vê-los ali. Cada pedaço que larguei antes fazia todo sentido, porém hoje, ao tentar reuni-los, não me parecem nada. Desconheço-os.

Quanto tempo leva para esquecermos do passado? Talvez a eternidade. Mas para que tudo não nos afete mais, podem levar segundos. Mesmo que decepções sejam traumáticas, entender que tudo é efêmero dá sentido ao caos da vida.

Acredito no não dito, nas palavras que só são expressas através de olhares, sensações... O que fica guardado talvez mostre muito mais de nós do que o mundo possa enxergar a olho nu. Muitas vezes ficamos nos perguntando sobre a mudança de atitude das pessoas em relação a nós. Pode ser surpreendente descobrir o quanto os outros guardam apenas para si sobre o que pensam e que nunca tiveram a coragem de dizer. E a partir disso surgem seres tão estranhos a nós quanto alguém que jamais trocamos alguma palavra. Podemos estar convivendo com pessoas que na verdade não sabemos quem são. Essa é a realidade: falta sinceridade a grande maioria das pessoas. Somos criados para a covardia e não para a difícil tarefa da exposição. Se expor não quer dizer perda de privacidade e sim ser sincero com aquilo que se acredita. Quem somos, na realidade, está mais ligado ao que sentimos do que ao que falamos. Mas o mundo nos reconhece pelo que mostramos a ele. E ao guardar para si nossas principais características, criamos um personagem para apresentar ao ambiente externo.

Temos medo do julgamento, medo de errar, medo da felicidade. Não nos permitimos ser felizes por receio da tristeza. Eu diria pavor. Preferimos a estabilidade do sorriso simples à permissão da gargalhada.

Tantas declarações não feitas, tantas palavras não ditas, um universo de pensamentos, que ficaram pelo caminho e nunca alcançaram seu destino. São palavras abortadas, que foram geradas, mas não viram a luz. Tudo por medo da interpretação. A partir do momento em que as digo, as palavras já não me pertencem mais. O que resta para mim são os sentimentos que elas carregaram.

domingo, 14 de março de 2010

EVOLUÇÃO


Não adianta o auto-flagelo, culpar-se, insultar-se, pois os erros não serão corrigidos com medidas drásticas praticadas contra si. É certo que por ignorância ou esquecimento vamos retornando aos erros do passado, fazendo tudo de novo, como se o mundo girasse em um ciclo vicioso e sem a possibilidade de mudança de rota ou ritmo. Me pergunto: por que tudo volta a se repetir? E o mundo perguntaria a mim: e por que você repete as mesmas escolhas? E o pior é que sei que anteriormente tive atitudes erradas e tomei os caminhos que talvez não fossem os melhores naquele determinado momento.

Saberíamos nós precisar até que ponto poderíamos ir, na intenção de evitar o erro? Talvez fosse o erro a pedra fundamental de nossas mais geniais idéias, pois de certa forma, todos os pensamentos perfeitamente conexos e ordenados, nos levam a caminhos previsíveis e enfadonhos. A estratégia da perfeição transforma a vida em um manancial de pressões sobre nós mesmos. Viramos reféns de uma sociedade que acredita na hipocrisia do eterno acerto.

Se permitir ao erro pode ser uma forma de mudar, pois imaginar a vida como algo simples poderia nos levar ao suicídio, diante do tédio pela falta de mistérios. A dúvida é o que nos impulsiona a sair da cama todos os dias. Tornar as coisas mais difíceis, complicadas, é uma auto defesa. Sem dificuldades a raça humana já estaria exterminada.

Talvez eu estivesse tentando mudar o mundo com as próprias mãos. E desta forma não percebia como as nuances da vida estavam transformando seus tons diante de mim. Minha vontade incontrolável de mudança fazia de mim um ser cego. E na verdade permanecia estático, sem destino, sem perspectivas. Repetindo os mesmos erros do passado eu ia me martirizando e xingando o mundo, como se ele fosse o culpado e este era eu. Meu coração batia lentamente, no ritmo fúnebre das marchas de novembro. Não saía do lugar, não buscava uma solução, um caminho alternativo. Ano após ano e sempre as lamúrias de um destino já traçado. Perdas de um ser sem valores guardados. Já derrotado antes da batalha. Sem armas, estratégias, força, confiança. Eu era a parte sobrevivente de um exército sem soldados. A luta interna para superar meus medos, minha preguiça, era o adversário mortal, que sempre me desafiava. Mas só há guerra quando os dois lados duelam. Mas ali tínhamos uma disputa desigual. Eu não procurava me defender. Fazia da inércia minha desculpa. Culpava o destino, que não me sorria. Era um coitado sem opções, queria acreditar.

Mas a vida muda na velocidade do nosso coração. E a surpresa por ainda percebê-lo batendo: lento, mas com força, fez de mim um homem confiante, certo de que nesta minha jornada certos obstáculos estão apenas no pensamento. E é ali onde reside o maior perigo. Nosso inimigo íntimo. O sangue agora corria por todo o corpo, como se o estivesse conhecendo naquele momento. Aqueles caminhos desconhecidos do meu corpo recebiam o calor do sangue antes parado, sem rota. Agora ele sabia o caminho de ida e volta para um coração trabalhador.

Tenho em mim todas as ferramentas para a transformação. Todos temos. O caminho que nos leva a essa descoberta é o que chamamos de experiência. Poder ser aquilo que nunca antes se imaginou traz frescor aos poros de uma pele talvez ressecada pelo tempo. Então faço de meu corpo um instrumento da rebeldia humana, capaz de romper as regras do imaginável, de fazer o pensamento voar, cabendo a mim apenas transgredir.

Quantas vidas seriam necessárias para que o ser humano evoluísse plenamente? Seria possível em algum momento compreender aquilo que de nós se espera? Por que caminho devemos seguir? Eu seguiria em dúvida eternamente? Que sentimento nos move para frente? O que nos satisfaz? Para todo questionamento: o silêncio. Para cada busca pela verdade: a luz.

segunda-feira, 8 de março de 2010

CALOR, FRIO, CALOR...


Aquele janeiro tinha começado com tanto calor que nem dava para organizar os pensamentos de forma lógica. Sentia uma vontade incontrolável de ir à praia. Na televisão um jornalista dizia quais praias do Rio estavam aptas para o banho. O governo dita a quantidade de merda que somos capazes de suportar. Eu não me importava muito com isso. Estava com calor e necessitava acabar com aquilo. O suor saía de cada poro e a sensação do corpo colando me fazia sentir nojo.

Fui caminhando como que pelo deserto, quente, sedento e molhado. A água gelada do mar contrastava com o resto do mundo. O que me parecia após 40 dias ininterruptos de calor era que aquela sensação perduraria por toda a vida, que nada faria a temperatura cair, nem o inverno.

Mas o cinza do final do verão, disfarçado de inverno, foi me consumindo por dentro. Aos poucos essa ausência de cores e de vida foi contaminando cada canto da casa, levando minha alegria embora, meu sorriso, minha energia. Também há beleza nessa diferente forma de ver o mundo. Porém a chuva que pinga e lava as calçadas vai aos poucos minando cada esplendor. Viro refém da luz. Fico à espera de seu retorno: amarelo e forte, como só o sol sabe se mostrar. Não posso chamar de tédio ou marasmo. Por a culpa nos fatores externos...jamais! É só o mundo em equilíbrio. Aliás, isto talvez esteja em falta dentro da mente.

E nesse vai e vem do tempo: hora quente, hora frio, vou mudando de humor, repensando a vida. Minha constância é a mudança. Penso em começar tudo novamente. Porém não há recomeço do zero, pois as experiências do passado, erradas ou não, nos tornam pessoas diferentes. E cada experiência irá influenciar diretamente em nossas escolhas futuras. A vantagem que o tempo nos dá é poder refazer aquilo que de alguma forma foi equivocado um dia. O sol ou o cinza de cada manhã mostram que no mundo tudo pode ser feio ou belo, depende da forma que queiramos encarar a vida.

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