Por Ernesto Xavier
- Eu vou pedir um café, ta bom?
-Vou querer um também.
- Dois cafés, por favor.
- Você pega o café pra mim? Vou ao banheiro rapidinho.
Ele sai. Vai até o banheiro, lava o rosto e fica um tempo se
olhando. Acha-se um homem de sorte. Começou um novo relacionamento há 2 meses
com uma mulher linda de 27 anos, arquiteta bem sucedida. Ele, dois anos mais
velho, advogado, trabalha para uma empresa com filiais em quase todo o país,
viaja bastante, conhece meio mundo e se considera estável. Namorou por 4 anos
Milena, que estagiou com ele em um escritório no Centro do Rio. Chegaram a
ficar noivos e quando ele se sentiu pressionado a casar, fugiu. Considerava-se
novo, despreparado para tal, ainda querendo viver a solteirice. Foi ficando
frio, distante, até que terminou. Após um ano solteiro, curtindo festas em São
Paulo, Rio, Bahia, Brasília, gastando todo o salário em noitadas, conheceu
Letícia, a atual namorada. De cara percebeu que seria algo diferente. Pela
primeira vez após tanto tempo entrou em contato com alguém após conhecê-la em
uma festa. Antes procurava não manter qualquer vínculo. Foi difícil conquistar
a atenção dela. Letícia ou Lelê demorava a retornar as ligações, muitas vezes
não respondia mensagens, recusava alguns convites para sair, alegando que
estava estudando para um concurso importante. Isso o deixou louco. Queria
entender porque ela era assim. A
dificuldade o prendeu. Quando menos esperava, estava fisgado, de quatro por
ela. Uma mulher que o fazia querer se superar sempre. Tentava fazê-la rir, ser
carinhoso sem ser pegajoso, ter um bom papo, não parecer um ogro, ver menos
jogos do Fluminense, fazê-la gozar antes dele, ouvi-la, se vestir bem...
Agora seca o rosto e sai do banheiro. Ao olhar para a mesa
vê a namorada conversando entusiasmadamente com outra mulher.
- Olha só quem eu acabei de conhecer: Milena.
- Oi, Marcelo. Quanto tempo! Tudo bem?
Ele completamente desnorteado, sem saber o que dizer,
responde:
-Tudo. O café chegou?
-Tá aqui, Celo. – responde a namorada – Eu a reconheci na
hora. Já tinha visto em umas fotos no facebook da sua irmã. Milena, você é
muito mais bonita pessoalmente.
- Bondade sua. Eu que tenho que dizer isso. O Celo tem mesmo
bom gosto.
- Eu tava aqui falando com ela e a convidei pra sentar com a
gente.
- Mas a gente já não estava de saída? – disse suando frio.
- Qual o problema da gente ficar um pouco mais? O papo tá
tão bom.
Ficaram mais uma hora no restaurante. Ele praticamente mudo,
respondia “sim”, “não”, “talvez”. Elas em conversa com intimidade de amigas de
infância praticamente ignoravam a presença dele na mesa. Se não tivesse avisado
que iria novamente ao banheiro, talvez nem tivessem visto que se levantou. O
desespero por ver aquele encontro se dava por não querer ter sua intimidade
exposta. À sua frente estavam duas histórias que agora se cruzavam e muito
delas dizia respeito a si. Não só assuntos de alcova, mas também manias,
imperfeições e deslizes. Uma tinha muito material a expor, enquanto a outra
deveria ter suas impressões, boas ou ruins, que poderiam ser confirmadas ou
detonadas pela ex. Sabia que tinha sido covarde em muitos momentos com a
primeira e fazer com que a segunda soubesse disso e desse crédito, poderia
arruinar um castelo que ele começava a erguer.
Ao voltar do banheiro viu que elas agora tinham feições mais
sérias. Aproximou-se e elas encerraram o assunto.
-Vamos indo, Marcelo?
-Vamos.
-Bom te ver, Marcelo. Adorei te conhecer, Milena.
Despediram-se. Foram para a casa dela. Milena seguiu seu
caminho.
-Nossa...parecia que a gente já se conhecia há muito tempo.
-É. Ela é assim: se dá com todo mundo, cria intimidade
rápido.
-Achei super natural. Nada forçado. Aliás, as coisas que
você me falava dela não são verdade.
-Que coisas?
-Agora vai se fazer de desentendido? Você dizia que ela
ainda era louca por você, que te procurava, mas você dizia que não queria mais
nada, que ela era pegajosa, ciumenta...
-Eu não falei com esse peso todo, nesse tom.
-Pode não ter falado assim, mas foi a impressão que me
passou. E ela me pareceu bem tranqüila, falou super bem de você...
-Falou? O que?
-Ai, to cansada. Queria dormir sozinha hoje. Você não fica
chateado?
-Não, mas... O que foi que ela disse?
-Nada demais. Depois a gente fala disso, ta?
Ele partiu com mil
perguntas entrando e saindo de sua cabeça. Dormiu mal aquela noite. Sonhou com
Letícia tentando enforcá-lo, enquanto Milena observava de perto e ria. Acordou
arfando. Esperou dar 11h da manhã para ligar para a ex-namorada. Sabia que em
um domingo esse seria o mínimo para encontrá-la acordada. A lembrança dela
acordando com seus grandes olhos pretos ainda inchados e a boca de lábios finos
que abria subitamente em bocejo o fizeram sentir saudade. Muito dela ainda
permanecia nele.
-Milena?
-Oi, Celo. Ta tudo bem? Aconteceu alguma coisa?
-Ainda não. É que foi meio estranho aquele encontro ontem,
não foi?
-Foi diferente. Me surpreendi com a sua namorada. Gostei
muito dela.
-Ela é legal mesmo. Mas...vocês falaram de mim?
-Sim. Por que?
-Eu sei que você ficou chateada quando terminei contigo. É
que eu agora estou entrando em um relacionamento novo e tenho medo do meu
passado estragar tudo.
- Você acha que eu quero te prejudicar? Nunca faria isso.
Você me fez muito mal sim. Mas passou, cresci. Eu me tornei mulher ao seu lado.
Tenho também muito a te agradecer. Você foi um cara paciente, companheiro.
Depois quis outras coisas. Hoje eu entendo isso.
-Desculpa.
-Não precisa disso. Vou ter que desligar. Tenho que sair
agora.
-Cedo assim? Ta de namorado novo também?
-Não. Vou encontrar a sua.
-Como assim: a minha?
Viraram amigas de verdade. Foram madrinhas de casamento uma
da outra. Nenhuma casou com Marcelo. O namoro com Letícia ainda durou mais 4
meses, totalizando 6. Eram muito diferentes. Chegou uma hora que as
incompatibilidades ficaram expostas. O personagem que ele criou no início não
se sustentou por tanto tempo. Não dá. Era um cara legal, dizia Lelê, só não era
pra ela.
Um ano depois do término foi com amigos ao mesmo restaurante
onde o encontro das novas amigas aconteceu. Lá estava Letícia sentada em uma
mesa, tomando um chá.
-Sozinha?
-Não. Vim com uma amiga.
Milena vem do banheiro. Ele a cumprimenta e volta para a
mesa dos amigos. No caminho de casa pensou em quanto deixou para trás. De
alguma forma tinha feito bem à vida daquelas duas mulheres com quem ele um dia
havia feito planos. Planos estes que não se concretizaram. Quantos se perdem
pelo caminho? Ele já não gastava todo seu dinheiro em noitadas. Pensava com
mais responsabilidade sobre a vida que queria seguir. Seria a crise dos 30?
Desejou a felicidade para aquelas duas mulheres. E ela viria, com certeza. Ele
sabia que um dia encontraria alguém que dividiria intimidades com ele. Seriam
companheiros.
O que elas tinham
deixado nele era a semente para o nascimento de um homem.