segunda-feira, 29 de março de 2010

CACOS


Deixei de catar os cacos no chão. Eles já não machucam mais meus pés e não me incomoda vê-los ali. Cada pedaço que larguei antes fazia todo sentido, porém hoje, ao tentar reuni-los, não me parecem nada. Desconheço-os.

Quanto tempo leva para esquecermos do passado? Talvez a eternidade. Mas para que tudo não nos afete mais, podem levar segundos. Mesmo que decepções sejam traumáticas, entender que tudo é efêmero dá sentido ao caos da vida.

Acredito no não dito, nas palavras que só são expressas através de olhares, sensações... O que fica guardado talvez mostre muito mais de nós do que o mundo possa enxergar a olho nu. Muitas vezes ficamos nos perguntando sobre a mudança de atitude das pessoas em relação a nós. Pode ser surpreendente descobrir o quanto os outros guardam apenas para si sobre o que pensam e que nunca tiveram a coragem de dizer. E a partir disso surgem seres tão estranhos a nós quanto alguém que jamais trocamos alguma palavra. Podemos estar convivendo com pessoas que na verdade não sabemos quem são. Essa é a realidade: falta sinceridade a grande maioria das pessoas. Somos criados para a covardia e não para a difícil tarefa da exposição. Se expor não quer dizer perda de privacidade e sim ser sincero com aquilo que se acredita. Quem somos, na realidade, está mais ligado ao que sentimos do que ao que falamos. Mas o mundo nos reconhece pelo que mostramos a ele. E ao guardar para si nossas principais características, criamos um personagem para apresentar ao ambiente externo.

Temos medo do julgamento, medo de errar, medo da felicidade. Não nos permitimos ser felizes por receio da tristeza. Eu diria pavor. Preferimos a estabilidade do sorriso simples à permissão da gargalhada.

Tantas declarações não feitas, tantas palavras não ditas, um universo de pensamentos, que ficaram pelo caminho e nunca alcançaram seu destino. São palavras abortadas, que foram geradas, mas não viram a luz. Tudo por medo da interpretação. A partir do momento em que as digo, as palavras já não me pertencem mais. O que resta para mim são os sentimentos que elas carregaram.

Postagem mais recente Postagem mais antiga Página inicial

3 comentários:

  1. Através das palavras eu sei o que está passando no seu coração, porque ele carrega um pedaço do meu. MAMI

    ResponderExcluir
  2. Por que te ler é tão bom quanto te ver?? =P

    ResponderExcluir
  3. Disse muito do que eu penso. Gosto do desconforto que a interpretação alheia me causa. Meio contraditório, mas muito verdadeiro. Esse conforto estéril de só dizer o que é seguro me irrita. Isso é ser básico, e nada pior do que uma pessoa básica e seguríssima de tudo. Queria entender porque a maioria das pessoas é assim...

    ResponderExcluir

Copyright © Boletim Afrocarioca | Design: Agência Mocho