O celular vibra sobre a cama, mas não se faz perceber. Durmo
profundamente envolto em sonhos que me levam a cenários desconhecidos, embora
eu reconheça perfeitamente o personagem que interage comigo. Ao acordar vejo o
aparelho ao meu lado. Provavelmente adormeci enquanto lia algum artigo ou
mensagem. Dormimos lado a lado. Eu e o smartphone. Antes de me levantar clico
despretensiosamente o botão que faz a tela acender. O ícone que me chama a
atenção mostra que por duas vezes alguém tentou entrar em contato comigo e não
foi bem sucedido. Duas vezes. Duas chances que deixei passar. Era a mesma
pessoa que invadira meus sonhos. Coincidência? Penso nela todos os dias em
diversas ocasiões. Se passo por um lugar onde costumávamos ir, se preparo um
prato que ela gostaria de experimentar, se a imagino com outro e nada posso
fazer. É assim desde que nos separamos. Não era de se espantar que eu sonhasse
com ela. O inusitado estava em receber ligações às 1h34 e 1h37 de uma
quinta-feira. O que a levou a tal atitude? Não estaria mais namorando? Estaria
infeliz? Mas porque recorreu justo a mim?
A diferença de três minutos era uma característica dela.
Quando não conseguia falar comigo na primeira tentativa, esperava passar esse
tempo e tornava a ligar. Ela sabia que eu dificilmente passava esse tempo sem
olhar a tela do celular. Maldito vício. Às vezes eu não atendia só para testar
sua persistência. Era bom saber que alguém realmente desejava a minha atenção.
Alguém realmente me desejava.
Pensamentos que me ocorreram em apenas alguns segundos.
Hesitei em retornar imediatamente. Tarefa árdua para um cara ansioso como eu.
Aguentei 7 minutos. Para ela não faria diferença. Para mim, sim. Um jogo em que
somente eu sabia as regras.
Regra da vida: todo apaixonado é um idiota.
Se você não distorce tudo que ela fala, pensando ser algum
sinal de que ela te quer; se você não corre toda vez que ela te chama; se você
não passa parte do seu dia revisando na memória todos os momentos em que
estiveram juntos, desculpa amigo, você não está apaixonado.
Eu me sentia feminino até certo ponto, mesmo que nunca tenha
sentido nada por homens. Era no sentimento que me aproximava delas. Gostava de
me abrir, de debater. Tinha carência, a falta de algo que não sabia explicar.
Ao mesmo tempo nunca perdi o senso de liberdade masculina, o ímpeto para
aventuras que eram só minhas. Afinal, quem definiria os gêneros hoje em dia?
Alguém ousa?
Quem é o provedor? Quem consola e quem é consolado? Quem
inicia a DR? Quem toma a iniciativa do sexo? Entre nós a resposta sempre seria:
qualquer um dos dois.
Não me surpreenderia se um dia ela saísse na bateria do
Salgueiro. Mentira. Me surpreenderia, mas ela poderia, entende?
Eu queria que todos também se apaixonassem por ela, o que
não era difícil. Fazia parte do prazer de ter escolhido a “pessoa certa”. Como
ficar imune àquele jeito meigo e atrapalhado? Seu sorriso era capaz de
interromper uma guerra por dias.
Ela era a melhor amiga que já tive. Pude abrir meu esgoto e
despejar, não sem o mínimo de vergonha, as angústias, medos e desvios de uma
personalidade forjada a ferro quente. E ela me aceitou daquele jeito torto.
O telefone tocou 4 vezes até que ela atendesse. A voz rouca
de sono me dizia “por que não liga mais tarde?”. Maldita ansiedade. Meu tempo
parece correr mais rápido que o ritmo do mundo. Quero tudo agora, pronto, não
depois. Droga!
- Liguei em má hora, né?
-Não. Eu já devia ter levantado. Tava de preguiça na cama.
-E o trabalho?
-Me dei a manhã de folga.
-Hum.
-Ele me largou de novo, aquele filho da puta.
Bela forma de iniciar uma conversa. Fiquei em silêncio.
-Você ainda está aí? Desculpa o palavrão.
-Nada.
-Eu não devia estar falando isso pra você.
-Sem problemas. Somos amigos, não somos? Antes de tudo,
amigos.
-Que bom saber disso. Vai fazer alguma coisa hoje à noite?
-Não sei. Que tal uma cerva na Praça São Salvador? – eu
disse.
-Ótimo. Te ligo mais tarde pra confirmar.
Ela não ligou. Eu quis mandar mensagem, perguntar o que
havia acontecido. Eu sabia. Ele voltou com um papo manso. Ela aceitou após
algum protesto. Cada um com sua carência. Fiquei com a minha, eles com as que
lhes cabiam. Não fui à praça, não fui a canto algum.
Quando outra crise lhe batesse a porta, talvez voltasse a se
lembrar do ombro que estava disposto a abrigá-la. Sem rancores.
Um apaixonado é antes de tudo um idiota.
Maravilha!
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