Por Ernesto Xavier
Era sábado. O dia amanhecera com uma chuva fina persistente
e a temperatura do lado de fora do apartamento beirava os 20 graus. Paloma
acordou por volta de 11h30 da manhã. Tinha ficado até 2h30 conversando por
Skype com o “não sabe definir o que”, que as amigas dizem ser seu namorado, mas
que ela prefere não rotular, pois tem medo de perder o encanto quando definir
alguma coisa. Na verdade, a distância que os separa a impede de dar passos mais
largos. Já sofreu em outros momentos, mas a situação em que se encontra é
diferente agora.
- Como você quer que eu conte? “Oi, família, estou namorando
um cara de São Paulo e ele virá aqui no próximo final de semana para ser
apresentado a vocês”. Acha que é assim?
-Sim. Por que não?
-Por que não é assim que as coisas funcionam na minha casa.
Ou você esqueceu o que já fez comigo? Acha que eles não sabem de nada? Eu
amenizei a história pra não te queimar tanto, mas era impossível esconder deles
que alguém tinha me feito mal.
-Tá bom. Eu sei que vou ter que carregar isso pra sempre.
-Vai. Se quiser ficar comigo, sim.
O papo durante a madrugada tinha começado tenso, mas depois
se entenderam como sempre acontecia. Tinham a feliz capacidade de acertar os
ponteiros conversando. Ambos gostavam de falar e levavam isso a um grau
diferente de outros casais. Eram cúmplices e amantes. Não eram “amigos com
benefícios” e deixavam isso bem claro. Estavam juntos, mesmo que separados na
imensidão de uma estrada ou ponte-aérea que ocorria tão poucas vezes. Se
falavam muitas vezes ao dia. Sempre com assunto, que parecia nunca terminar. Um
puxava outro, que puxava outro, que puxava...e horas se passavam.
As gotas de água que caiam sobre a caixa do ar-condicionado
do seu quarto, bem abaixo da janela, faziam um tilintar que a despertou.
Demorava um pouco até entender onde estava, quem era, o que tinha que fazer...
Acordar fazia parte de um processo que requeria tempo. Pegou o celular para ver
se tinha alguma mensagem dele. Nada. Desceu para o primeiro andar. Não
costumava tomar café-da-manhã, mas naquele dia tinha uma fome incomum. Enquanto
comia, a mãe passou por ela.
-É por isso que está engordando.
-Bom dia pra você também, mãe.
Largou tudo na mesa e subiu para o quarto. A mãe foi atrás.
-Está com algum problema?
-Mãe, eu não to afim de conversar, ta bom?
-Eu te vejo se empanturrando de comida e não quer que eu
fale nada. Pode comer o que quiser, mas depois não vem reclamar, dizendo isso e
aquilo.
Segurou a boca para não responder mal a mãe.
-Me deixa sozinha, por favor. Já disse que não to a fim de
conversar. Pode respeitar?
Fechou a porta.
Sentia uma vontade enorme de chorar, mas não queria
demonstrar fraqueza, mesmo que estivesse sozinha naquele momento. Era como se
uma bolha de ar comprimisse seu peito e quisesse subir pela garganta. Pegou o
celular e ligou.
- Alô.
-Tá vivo?
-Bom dia.
-Esqueceu que eu existo?
-Não. Eu já ia te ligar.
-Ia, mas não foi.
- Desculpa. Eu tava terminando um trabalho e já ia te mandar
uma mensagem.
-Sei.
- Vai se estressar só por isso?
- Só por isso? Você me esquece, não fala comigo, coloca um
monte de prioridades na minha frente e ainda acha que o motivo é pequeno?
Obrigado!
Ele se segurou o quanto pôde e soltou: “Você está de TPM?”.
Sabia que fazer esta pergunta seria motivo para uma briga sem precedentes. A
frase saiu quase sem querer. Quis retornar as palavras para a boca, mas estas
já tinham atravessado os meios eletrônicos até alcançá-la a mais de 430 km dali.
Um no Rio o outro em São Paulo. Ela desligou o telefone imediatamente. Ele
tentou retornar as ligações e ela ignorava. Ele sabia o tamanho da encrenca que
tinha criado. “Nunca faça essa pergunta a uma mulher, por mais irritada ou
errada que ela esteja”, disse sua irmã em tom de aconselhamento para toda a
vida. Ele não aprendeu.
À noite ela retornou as ligações. Chorava.
-Você sabe que eu to me sentindo feia, gorda, minha
auto-estima ta lá embaixo. Eu me olho no espelho e não me reconheço. To parada
no tempo, sem trabalho, sem motivação. Quando eu mais quero você por perto eu
não posso ter. Quando a gente se encontra, tenho que relevar um monte de
coisas, porque não quero ficar brigando no pouco tempo que temos juntos. Você
sabe o dobrado que tenho que passar pra te ver. Custa ter um pouco de
compreensão? É tão difícil assim?
Os hormônios agiam sobre ela? Sim. Porém cada conclusão
vinha carregada de verdades que ela guardava por querer manter a harmonia entre
eles. Não podia segurar tudo e sabia que algum deslize poderia jogar tudo o que
tinham fora. Viviam caminhando sobre uma linha tênue, mas algo os prendia.
-Desculpa. Eu fui displicente contigo.
Ela ficou um tempo em silêncio e ele tornou a falar.
-Já disse que você fica linda quando chora? Não estou te
vendo agora, mas sei bem como é. Me dá mais vontade ainda de te dar um cheiro.
-Aham. To com a cara toda inchada, descabelada. Muito linda
que eu estou.
Ela já falava com um sorriso no rosto e se entregava aos
poucos a ele.
- Eu quis mandar flores pra sua casa, mas ia ficar
complicado pra você explicar a eles quem tinha enviado. Então vai no meu
facebook, por favor. Coloquei uma foto privada só entre nós dois.
Lá estava ele com seu sorriso largo característico e um
buquê de rosas colombianas. Ela ria e chorava ao mesmo tempo.
-Olha só. Hoje comi uma barra inteira de chocolate por sua
causa. Se eu ficar gorda de verdade, você vai ter que me aturar mesmo assim, ta
bom?
Não era TPM, era saudade.
Repito o que disse... Ameiii o texto :)
ResponderExcluirMuitooooo bommmm!!! Estou rindo muito aqui....Ah, as mulheres! Melhor não tentar entendê-las. É muito hormônio para um corpinho só...adorei! Beijos
ResponderExcluirÉ uma tentativa incansável de entender as mulheres hehehe
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