sexta-feira, 9 de outubro de 2015

MEA CULPA



Mulher,

Quero pedir desculpas. Não que eu possa responder por outros, mas me sinto na obrigação de fazê-lo. Falo por mim. Portanto, escreverei na primeira pessoa.

Por minha causa foi necessária a criação de vagões exclusivos para que você pudesse viajar sem o temor de ser abusada sexualmente, empurrada, ameaçada.

Por minha culpa você tem medo de andar sozinha à noite. Não precisa mais temer a roupa que irá usar. Não mais vou achar que está me provocando e nem tentarei estupra-la ou falarei frases constrangedoras como:
“Te chupava todinha”, “Essa deve enlouquecer na cama”, “Quer segurar aqui?”, “Gostosa”, “Safada” e outras do tipo.

Por minha culpa e consentimento de amigos, os seus salários são inferiores ao meu. Perdão. Também não usarei a desculpa de que tenho que trabalhar mais enquanto você está de Licença Maternidade. Você fica exausta, eu não te ajudo como deveria e ainda faço pouco caso. Não são férias, eu sei.

Sei que sou culpado pela morte de muitas de vocês. Não mais morrerão por minhas mãos. Nem precisa se sentir intimidada por me denunciar. Assumirei a culpa por meus atos.

Por minha total culpa você não pôde escolher o que fazer com seu corpo. Não te incriminarei se quiser ou precisar abortar. Assumo que o crime está nas inúmeras vezes que te abandonei ao saber que estavas grávida. Joguei sempre em ti a responsabilidade total dos filhos. Não posso medir o tamanho do trauma por colaborar para que você passasse por isso. Estarei ao seu lado seja lá qual for a decisão. Prometo.

Enquanto você varria a casa, eu descansava. Você estava lavando louça e eu dedicava mais tempo aos estudos. Você passava roupa e eu via o noticiário. Desigual, não? Eu criei essa cultura de propósito. Assumo que agi errado.

Você escolhe se quer fazer cesariana ou parto normal. Também não vou te expulsar ou assediar se quiser amamentar em locais públicos. É um direito seu que eu tirei. Fiz parecer que você deveria se envergonhar por isso.

Eu te impus uma luta estressante contra seu próprio corpo. Ao mesmo tempo exaltei as minhas imperfeições como se fossem o resultado de uma vida gloriosa. Esqueça disso. Sinta-se bem e bonita como você é. Culpa minha, eu sei.

Quem sou eu para opinar sobre assuntos totalmente seus? Não passo os seus medos, não menstruo e nem fico grávido, não tenho tantas alterações hormonais, não sou assediado em cada esquina, não sou pressionado a trabalhar, cuidar dos filhos, da casa e ainda estar bonita e disposta para transar.

Por minha causa você é taxada de piranha, puta e galinha quando fica com alguém e eu sou festejado por fazer sexo com várias.

Também por minha conta criaram material pornô voltado apenas para o público masculino, sempre subjugando as mulheres.

Sei que durante muito tempo eu disse que vocês não eram capazes, não chegariam longe, diminuí a autoestima e humilhei quando quis. Sei disso. Desculpa.

Eu ajudei a criar mecanismos que dificultassem sua ascensão em empresas, na política e até na arte.

Joguei a culpa em você por dirigir mal, mesmo sabendo que 80% dos acidentes com ou sem vítimas envolvem motoristas do sexo masculino.

Por minha causa tratamos as mulheres transexuais como uma sub-raça. Não só isso. Matamos, batemos, não damos a elas acesso à educação e trabalho.

Eu ajudei a te fazer esquecer ou ignorar o sentido do dia 8 de março. Aproximadamente 130 mulheres morreram carbonizadas naquela fábrica, em Nova York, em 1857, apenas porque reivindicavam igualdade e melhores condições de trabalho. Maquiei esse dia apenas te dando flores.

Sei que é fácil pedir desculpas depois de tanto tempo tratando você assim, mas queria ao menos estabelecer uma relação mais saudável a partir de agora. Você tem todos os motivos para não aceitar ou acreditar no meu pedido de perdão. Errei durante muito tempo. É difícil confiar em mim.

É fácil estar no papel do opressor, já que posso desqualificar o que julgo estar abaixo de mim e imponho minha vontade pela força física, mental ou social. Faço isso há milênios. Literalmente.

Empodere-se.  Tentei tirar seu poder, mas ele é nato.

Não vou mais desmerecer, nem ridicularizar sua luta. Ela existe porque eu existo e ainda sou como sou.

Minhas sinceras desculpas,

Ernesto Xavier



. 10 de outubro - Dia Nacional de Luta contra a Violência à Mulher





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